Desmatamento, reserva legal e sustentabilidade em Rondônia (Brasil): uma análise dos padrões de evolução da cobertura vegetal em área de Assentamento
Resumo
O projeto DURAMAZ 2 é um programa financiado pela Agence Nationale de la Recherche (ANR), reunindo pesquisadores da França, do Brasil e dos EUA, cujo principal objetivo é o estudo das condicionantes da sustentabilidade na Amazônia brasileira. Nesta comunicação apresentamos os resultados da análise da evolução da cobertura vegetal na região do Assentamento Margarida Alves, uma das áreas de pesquisa do programa. Para tanto, utilizamos um sequência de imagens Landsat 5 e 8, entre 1985 e 2013 e aplicamos a metodologia de classificação automática pixel-por-pixel proposta por Beraldi et al. (2006). Os resultados são apresentados aqui sinteticamente e permitem observar a redução da cobertura florestal de 80% para 35%, na área de estudo. No entanto, a taxa de cobertura florestal dentro do assentamento foi de 87% para 57%, enquanto na região do entorno de 80% para 32%. A principal explicação para essa diferença está nas formas de gestão das reservas legais dentro e fora do assentamento. Enquanto no Margarida Alves ela foi concebida em bloco e gerida coletivamente, nas propriedades do entorno elas foram delimitadas de forma unitária e geridas individualmente.
Palavras-chave: Assentamentos rurais; Amazônia; Desflorestamento; Sustentabilidade
Résumé
Le projet Duramaz 2 est un programme financé par l'Agence Nationale de la Recherche (ANR), réunissant des chercheurs de la France, du Brésil et des Etats-Unis, dont l'objectif principal consiste à étudier la durabilité en Amazonie brésilienne. Dans cette communication, nous présentons les résultats des analyses sur l'évolution de la couverture végétale dans le lotissement agricole Margarida Alves, l'une des aires d'étude du programme. Pour ce faire, nous utilisons une séquence d'images Landsat 5 et 8, entre 1985 et 2013 et appliquons la méthodologie de classification automatique pixel par pixel proposée par Beraldi et al. (2006). Les résultats sont ici présentés synthétiquement et nous permettent d'observer la réduction de la couverture forestière de 80% à 35% dans la zone d'étude. Cependant, le taux de couverture végétale dans le lotissement a été réduit de 87% à 57%, tandis que dans la région ce même taux est passé de 80% à 32%. La principale explication des différences se trouve dans les formes de gestion de la « réserve légale » (RL) à l’intérieur et à l’extérieur du lotissement. Alors qu’à Margarida Alves elle a été conçue en bloc et gérée collectivement, autour, les RL ont été délimitées et gérées individuellement.
Mots-clés : Agriculture familiale ; Amazonie ; Déforestation ; Développement durable.
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Marcelo Pires Negrão
Doctorant en Géographie et aménagement du territoire, Université Paris 3 - Centre de Recherche et de Documentation des Amériques (CREDA -UMR 7227)
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Luciana Riça Mourão Borges
Doutoranda em Geografia, Universidade de São Paulo / PPGH-FFLCH
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Marcel Bizerra de Araújo
Mestrando em Geografia, Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Instituto de Geografia
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Desmatamento, reserva legal e sustentabilidade em Rondônia (Brasil): uma análise dos padrões de evolução da cobertura vegetal em área de Assentamento
Introdução
A Amazônia é uma região capital para a biodiversidade, o clima e o meio ambiente do planeta, ao passo que vem sofrendo grande pressão pelo avanço da agricultura capitalizada e dos grandes projetos de desenvolvimento. Soma-se a necessidade de subsistência das populações que habitam seu vasto território, que por muitas vezes são compelidas a lançar mão de modos de produção e exploração predatórios dos recursos naturais.
O trabalho que apresentamos aqui faz parte das pesquisas em curso do programa DURAMAZ 2 (1), cujo principal objetivo é o estudo das condicionantes e das determinantes da sustentabilidade na Amazônia brasileira. Esse programa reúne pesquisadores de diferentes universidades e centros de pesquisa da França, do Brasil e dos EUA, sobre diversos temas caros à essa região.
A primeira fase do programa (2007-2009) teve como fundo uma Amazônia na qual os projetos internacionais e não governamentais para preservação eram preponderantes (2). Na atual fase, são os programas governamentais brasileiros de estimulo à atividade econômica e prestações sociais que marcam de forma transversal as quatorze áreas de estudo espalhadas pela região. Desde a primeira fase, foram identificadas quatro categorias representantes da diversidade fundiária, cultural e socioeconômica do território amazônico: ameríndios, agronegócio, agricultura familiar / tradicional e populações extrativistas.
O mapa abaixo localiza as quatorze áreas de estudo do programa DURAMAZ 2:
Figura 1. Mapa das quatorze áreas de estudo do programa DURAMAZ 2. Autor: Marcelo Negrão.
Neste artigo iremos apresentar os primeiros resultados do trabalho de campo realizado em 2013 no Assentamento Margarida Alves, situado na microrregião de Ouro Preto do Oeste, Estado de Rondônia e uma das quatorze áreas do programa DURAMAZ 2.
Em agosto de 2007 uma equipe de pesquisadores do programa DURAMAZ 1 (2006/2010) realizou um primeiro trabalho de campo com duração de dois meses nessa região. Após seis anos, uma segunda equipe de campo com novos e antigos pesquisadores da França e do Brasil retornou ao assentamento entre os meses de julho e setembro de 2013 pela segunda fase do programa (2011/2015). Essa equipe foi acolhida e pernoitou nas casas de moradores, recolheu pouco mais de 200 questionários e notas de campo, além de ter aplicado outras ferramentas metodológicas que constam do protocolo do programa
I. Objetivos
O objetivo principal deste artigo é analisar a importância para a sustentabilidade da constituição de Reservas Legais em bloco em assentamentos rurais situados no arco do desmatamento da floresta equatorial brasileira. Tomando como caso o Assentamento Margarida Alves e sua região em torno, quantificaremos e analisaremos através da classificação de imagens de satélite a evolução da cobertura florestal entre 1985 e 2013. Associaremos então os resultados obtidos à evolução das leis sobre percentuais de manutenção de reserva legal e de área de proteção permanente nas propriedades rurais (Cf. Código Florestal e Zoneamento Socioeconômico e Ecológico de Rondônia).
A microrregião de Ouro Preto do Oeste é uma das mais desflorestadas de todo o Estado de Rondônia (Escada e Alves, 2014). A região já foi amplamente estudada na escala regional (Coy, 1988; Alves et al., 1996; Escada e Alves 2003b; Alves, 2001, 2004; Pereira et al., 2007; Mello et al., 2012). Os trabalhos precursores dos conflitos socioambientais na reserva legal em bloco do Assentamento Margarida Alves (Oliveira e Bursztyn, 2005) também contribuiram para a interpretação dos fenômenos locais. A originalidade deste nosso trabalho consiste em ajustar a escala de análise e comparar os efeitos de uma reserva legal coletiva de um Projeto de Assentamento relativo ao seu entorno. Escada e Alves (2003) já mostraram a relevância de uma reserva em bloco em uma perspectiva de sustentabilidade, na região de Machadinho do Oeste (RO). Outro ponto original consiste em aplicar uma metodologia de classificação e análise de imagens de satélite Landsat 5 e 8 diferente daquelas que já foram aplicadas na região, nos trabalhos acima citados.
O artigo inicia-se apresentando sinteticamente a trajetória do desmatamento em Rondônia e a área de estudo. Em seguida continua com o trabalho de classificação digital de imagens de satélite Landsat TM 5 e 8, para enfim associarmos esses resultados à evolução das leis sobre manutenção de reservas legais em propriedades privadas.
II. Trajetória do desmatamento em Rondônia
A História do antigo Território Federal do Guaporé (hoje Rondônia) remonta à ferrovia Madeira-Mamoré, ao interesse boliviano em criar uma saída navegável de seu território e às expedições indigenistas do Marechal Cândido Rondon, com a polêmica abertura de uma linha de telégrafo até a capital Porto Velho, pelo mesmo traçado por onde hoje passa o principal eixo rodoviário do Estado, a BR-364. No entanto, a colonização oficial de Rondônia teve início somente em 1970, com o Programa de Integração Nacional (PIN), em que foram estabelecidos os Projetos Integrados de Colonização (PIC), os Projetos de Assentamento Dirigido (PAD) e os Projetos de Assentamento Rápido (PAR), que foram acompanhados da instalação de Polos de Desenvolvimento e núcleos urbanos, além da abertura da própria BR-364, dando origem à rede urbana tal como ela é hoje conhecida.
Em 1974, foi implantado o Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (Polamazônia). Esse programa, cujo objetivo era incentivar a migração de trabalhadores rurais vindos do centro-sul do Brasil para a região, foi responsável pela colonização do território rondoniense, por estimular a abertura de estradas vicinais à BR-364 (também chamadas de "Linhas") e permitir o desenvolvimento de projetos derivados da primeira iniciativa de colonização.
A política de colonização do Governo Militar ficou conhecida pelo seu slogan "Terras sem homens, para homens sem terra" e seu objetivo era a ocupação de espaços tidos como vazios demográficos visando estabelecer uma política de domínio territorial e controle das fronteiras, além de diminuir conflitos agrários na região centro-sul do país, decorrentes da modernização agrícola.
A década de 1980 marca um momento de transição importante para o Estado de Rondônia. O programa de integração nacional (PIN) é abandonado, os programas de colonização e incentivo à migração desaceleram e os polos de desenvolvimentos são formalmente transformados em municípios. Com as mobilizações pela conservação ambiental que antecedem a Conferência da Terra Rio-92, iniciou-se a criação de programas destinados à preservação florestal e ambiental no Estado. Assim, o Polonoroeste, programa vigente até o fim da década de 1980 e responsável por ocasionar um dos maiores desmatamentos em Rondônia é suspenso, dando lugar ao Planafloro no início dos anos de 1990. Este surge diretamente ligado ao programa com maior relevância ambiental, financiado pelo grupo dos sete países mais ricos do mundo à época, o Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras (PPG-7). Este programa resulta na criação do Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia (Planafloro). O Planafloro marca o fim da abertura de estradas vicinais para colonização do território (importante vetor de desmatamento) e é responsável pelo inicio efetivo de uma política estadual de demarcação de terras visando a conservação ambiental e a redução dos conflitos fundiários. Além disso, o programa culmina na criação do Zoneamento Agro-Ecológico de Rondônia, que mais tarde foi convertido no Zoneamento Sócio-Econômico Ecológico (ZSEE-RO) (Droulers et al., 2001).
O resultado da ocupação foi a elevação do número de imóveis rurais em espaços antes ocupados pela floresta equatorial. O gráfico da figura 2 mostra a evolução do número de estabelecimentos por faixa de tamanho no Estado, a partir de 1970.
Figura 2. Número de estabelecimentos agropecuários por unidades entre 1970 e 2006 em Rondônia. Fonte: SIDRA/IBGE. Autor: Luciana R. Mourão Borges.
Figura 3. Ocupação do Estado de Rondônia – RO, Brasil. Autor: Luciana R. Mourão Borges.
O gráfico da figura 4 representa as taxas anuais de desmatamento desde o início da série. Somente em um período muito recente, a partir de 2005, é possível perceber uma tendência de queda persistente. Essa redução pode ser atribuida à um conjunto de fatores. Certamente a redução da superfície com cobertura florestal no Estado nos últimos 40 anos figura entre eles (Escada e Alves, 2003a; Pereira et al., 2007), mas também a consolidação da legislação ambiental nos diferentes níveis federativos, impedindo por exemplo as queimadas e o corte raso, além de uma política fundiária e de demarcação de terras (ZSEE, 2001) que culminaram em uma relativa estabilização das zonas de ocupação urbana, agrícola e das áreas protegidas (Rondônia, 2009). Por outro lado, os índices elevados de desflorestamento desde os anos 1980 são explicados em grande parte pelo aumento da superfície agricultada e disponível para pastagens, cujas aberturas de estradas vicinais - as "arestas de peixe" - foram o principal vetor.
Figura 4. Taxas de desmatamento anual em Rondônia entre 1988 e 2010. Fonte: SIDRA/IBGE e PRODES/INPE. Autor: Luciana R. Mourão Borges
III. Área de estudo
O município de Ouro Preto do Oeste teve origem com o Projeto Integrado de Colonização Ouro Preto (PIC Ouro Preto) em 1970, mas sua fundação data de 1981. Em 1992, as cidades de Mirante da Serra e Urupá que pertenciam ao município de Ouro Preto d’Oeste foram emancipadas. Em 1994, foi a vez de Teixeirópolis e Nova União se emanciparem. Ouro Preto do Oeste foi um polo de desenvolvimento regional originário da colonização do Estado de Rondônia. E as demais cidades emancipadas, núcleos urbanos que compõem hoje o mosaico de configuração espacial variada que define por assim dizer uma das microrregiões do Estado (Machado, 1997; Alves et al., 1996; Alves, 2004).
O Assentamento Margarida Alves, encontra-se no município de Nova União (RO). Após desapropriação pacífica, o assentamento foi repartido em sete glebas de cerca de trinta lotes cada uma. Essa organização do espaço teve rebatimentos no modo de viver e produzir. Em razão de uma divergência inicial, quatro dessas glebas foram divididas em formato radial, dando origem à agrovilas. E outras três foram divididas em lotes retangulares “tradicionais”.
Essa divergência, territorialmente definida e perceptível através da observação de imagens de satélite, teve como ápice os conflitos em decorrência da falência da APA (Associação de Produtores Alternativos) constante nos resultados do programa DURAMAZ 1 e pelas posteriores disputas em torno do uso da reserva legal do assentamento (Kohler et al., 2011) (3).
Possuindo cerca de cinco mil hectares, os dois blocos de reserva legal do Margarida Alves são um dos poucos fragmentos de mata original de tamanho expressivo e ainda conservados na região, dispondo ainda de importante estoque de recursos florestais. Os conflitos motivados dentro e fora do assentamento culminaram na elaboração de um plano de manejo, do qual apenas os habitantes das agrovilas aderiram massivamente. Essas condições fazem da reserva legal do Margarida Alves um ponto de fragilidade no território.
Nossa área de estudo é constituída do assentamento e seu entorno, que foi limitado aos setores censitários e acidentes geográficos encontrados num raio de aproximadamente 12 quilômetros (o que corresponde a uma exigência metodológica do programa DURAMAZ, o raio da área de influência indireta correspondendo à raiz quadrada da superfície do assentamento – área focal do estudo).
Figura 5. Localização do Assentamento Margarida Alves. Autor: Marcelo Pires Negrão.
Área do Assentamento Margarida Alves: 11.900 hectares
Área de influência (incluindo o Assentamento): 160.500 hectares
A cobertura florestal originalmente predominante corresponde à floresta densa tropical semi-decídua em terreno suavemente ondulado. Toda a área de estudos encontra-se dentro da Zona 1.1 do Zoneamento Socioeconômico Ecológico do Estado de Rondônia (2009), com alto potencial de ocupação humana, destinada a intensificação e consolidação das atividades agropecuárias, agroflorestais, industriais, minerais e com restrição de 20% de áreas destinadas a reservas florestais (o menor percentual fixado em lei de todo o Estado). Nossa análise final retoma o paralelo entre a evolução da legislação e os rebatimentos sobre as reservas legais.
A ocupação da área desenvolveu-se através da linha 64, uma das "arestas da espinha de peixe" cuja BR-364 é o dorso. A organização fundiária da região é bastante representativa das várias políticas de colonização implantadas e constitui uma síntese das mutações territoriais pelas quais passou o Estado nos últimos 40 anos. Além das diferentes modalidades de assentamentos, encontram-se presentes na região fazendas de médio e grande porte que formaram um dinâmico mosaico de usos diferentes do solo, em contraste à pequena agricultura (Escada e Alves, 2014), como veremos adiante na série temporal de imagens de satélite.
O Projeto de Assentamento (PA) Margarida Alves, juntamente com o PA Palmares foi criado em 1997 após desapropriação pacífica das fazendas Fisher (Firasa) e Aninga, cujo tamanho total ultrapassava os 20 mil hectares. A área dessas fazendas deu origem aos dois assentamentos que possuem uma extensa linha limítrofe em comum e se diferenciam entre si pela presença de uma reserva legal em bloco no primeiro e sua ausência total no segundo. Por esse motivo foram assentadas originalmente 258 famílias no Margarida Alves, em cerca de 11.500 hectares. Metade dessa área é ocupada por dois blocos de reserva legal. Enquanto no assentamento Palmares foram assentadas 320 famílias em uma área total de 9.800 hectares. Os lotes do Margarida Alves possuem em média 24 hectares, enquanto que os lotes do Palmares possuem cerca de 30 hectares. Para efeito comparativo, os lotes do PIC Ouro Preto e dos Assentamentos Dirigidos no entorno (que datam dos anos 1980) possuem entre 50 e 120 hectares. Um terceiro Projeto de Assentamento próximo, o Padre Ezequiel, foi criado também na mesma época do Margarida Alves e do Palmares. Juntos os três Projetos de Assentamento possuem cerca de 1000 famílias assentadas em cerca de 30 mil hectares. No entanto, em toda a região, apenas o Margarida Alves possui uma reserva legal em bloco equivalente a 50% da área do Assentamento, conforme determinava a legislação ambiental em vigor à época da demarcação.
IV. Dados e metodologia
Para proceder a análise da evolução da cobertura vegetal da região do Assentamento, foram inicialmente selecionadas três datas de passagem do sensor TM/LandSat 5, cena 231/068, bandas 1,2,3,4,5,6 e 7 e uma data de passagem do sensor Landsat 8, cena 231/068, bandas 2,3,4,5,6,7 e 10, para os anos de 1985, 1996, 2007 e 2013 respectivamente. As datas foram escolhidas em função de três critérios: (1) a taxa de cobertura florestal, (2) as épocas marcantes na mudança da estrutura fundiária e (3) as datas das atividades de campo do programa DURAMAZ na região. Assim, 1985 foi escolhida por haver ainda mais de 80% de cobertura florestal e estar dentro do mínimo estabelecido em lei, à época; 1996 é o ano de início do acampamento do MST na Fazenda Fisher e imediatamente anterior à desapropriação do latifúndio e demarcação dos Projetos de Assentamento; 2007 foi o ano de início do DURAMAZ; e 2013 do último campo realizado até o momento do mesmo programa. As datas de passagens dos satélites correspondem ao período seco, entre o fim de julho e o início de agosto.
O método de classificação escolhido foi o Espectral Automático baseado em regras pré-definidas para imagens Landsat TM e ETM+ calibradas em reflectância top-of-atmposphere, proposto por Beraldi (Beraldi et al., 2006).
Beraldi e sua equipe realizaram cerca de 80 mil testes que permitiram identificar assinaturas espectrais de 24 ou 46 classes de objetos espaciais (de uso e ocupação do solo). Este método foi escolhido pela equipe do DURAMAZ 2 por possibilitar a comparação entre as diferentes áreas de estudo do programa, através de uma metodologia amplamente testada. A utilização de imagens Landsat, por sua vez, foi escolhida não apenas pela facilidade e gratuidade de acesso, mas também por serem as imagens para as quais a metodologia foi originalmente desenvolvida.
O método consiste então em realizar uma classificação baseada em pixel por pixel e não segmentada, afim de identificar objetos homogêneos. Como já mencionado, o método propõe preliminarmente dois níveis de classes a partir do esquema de classificação do U.S. Geological Survey, originando uma paleta de 24 ou 46 tipos de objetos. Neste artigo trabalhamos com a paleta de 24 classes. As classes suplementares da paleta de 46 tipos de objetos são derivações da paleta de 24.
Beraldi desenvolveu inicialmente este método para imagens Landsat 5 e 7, mas ele é adaptável às propriedades de outros sensores, dentre os quais SPOT 4 e 5. Neste trabalho validamos ainda a adaptação em caráter experimental ao sensor Landsat 8, substituindo a camada 5 do sensor Landsat 5 pela camada 10 do sensor Landsat 8. Apesar da expectativa de problemas relacionados ao térmico, a tentativa apresentou resultados bem satisfatórios validados por informações de campo.
Abaixo, as imagens originais e em seguida as imagens classificadas pelo método proposto por Beraldi (em 24 classes).
Figuras 6, 7, 8. Imagens Landsat 5 231/068 (Bandas 3,2,1). Figura 9. Imagem Landsat 8 231/068 (Bandas 4,3,2). Fonte das imagens: US Geological Survey. Composição: Marcelo Pires Negrão.
Figuras 10, 11, 12. Imagens Landsat 5 231/068 classificadas. Por Damien Arvor. Figura 13. Imagem Landsat 8 231/068 classificada. Por Damien Arvor. A cobertura florestal é representada pelo tom de verde em todas as quatro imagens. Em bege claro as áreas desflorestadas (pastagens, terra nua e lavoura essencialmente). O Vermelho representa as classes a descartar (nuvens, água ou ainda “desconhecido”). Fonte das imagens: US Geological Survey.
A partir do trabalho de classificação acima, foi possível aferir os seguintes percentuais relativos à cobertura vegetal para o Assentamento Margarida Alves e da área de influência do estudo:
Margarida Alves |
1985 |
1996 |
2007 |
2013 |
% Com Cobertura Vegetal |
87,24 |
85,06 |
51,00 |
57,55 |
% Sem Cobertura Vegetal |
12,42 |
14,73 |
43,21 |
41,03 |
% Outras classes (Nuvens, Água, etc.) |
0,34 |
0,22 |
5,79 |
1,42 |
Tabela 1. Evolução do percentual de cobertura vegetal na área hoje ocupada pelo Assentamento Margarida Alves.
Area de Influência (sem Margarida Alves) |
1985 |
1996 |
2007 |
2013 |
% Com Cobertura Vegetal |
80,04 |
73,90 |
22,38 |
32,53 |
% Sem Cobertura Vegetal |
19,35 |
25,35 |
72,80 |
64,81 |
% Outras classes (Nuvens, Água, etc.) |
0,61 |
0,76 |
4,82 |
2,65 |
Tabela 2. Evolução do percentual de cobertura vegetal na região do entorno da área ocupada hoje pelo Assentamento Margarida Alves.
V. Discussões e resultados
A. Reservas em bloco x reservas individuais
Partindo de taxas semelhantes de cobertura florestal (87% e 80% respectivamente) o Assentamento Margarida Alves (11.900 hectares) e seu entorno (148 600 hectares) viram progredir de forma diferente essa cobertura nos últimos 20 anos. A passagem do estatuto fundiário de grande fazenda improdutiva para Projeto de Assentamento com reserva florestal em bloco sugere um menor impacto sobre a cobertura vegetal natural do que a zona do entorno, mas é composta majoritariamente por lotes individuais concedidos a partir da instalação do PIC Ouro Preto. Entre 1985 e 2007 as imagens sugerem uma perda de 41% da cobertura florestal inicialmente existente para o Assentamento Margarida Alves, enquanto a região no entorno registra 72% de supressão vegetal natural no mesmo período.
B. Recomposição parcial entre 2007 e 2013
Desperta igualmente atenção a recomposição da cobertura vegetal observada dentro e fora do assentamento entre os anos de 2007 e 2013, de 13% e 31% respectivamente. Parte desta recuperação dentro do Assentamento pode ser explicada pela recomposição de parte do maior bloco de reserva legal que havia sido desmatado em 2004 por invasores externos ao assentamento e que ainda são visíveis nas imagens de 2007 (é possível observar traços de desmatamento na imagem citada). Os posseiros permaneceram por sete meses e foram expulsos pelo IBAMA e pela Polícia Estadual após denúncia dos assentados. No caso da região do entorno, não possuímos elementos suficientes para justificar essa recomposição. No entanto, ela acompanha a tendência de diminuição do desmatamento na Amazônia e mais precisamente no Estado de Rondônia, conforme a Figura 4deste artigo.Assim como apresenta-se em consonância às recomposições florestais apontadas pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) no mesmo período. Vale ressaltar que essa diminuição ocorreu antes das mudanças promovidas pelo Novo Código Florestal Brasileiro, que segundo estudos recentes do próprio INPE aponta para uma nova tendência de desmatamento no Estado de Rondônia. Seria necessário o aprofundamento da pesquisa em toda região para confirmar ou descartar essa hipótese.
C. Formas geométricas x 'espinha de peixe'
Duas análises diferentes da ocupação do solo e do desmatamento são comumente feitas para o Estado de Rondônia, levando em consideração a complexidade e diversidade dos sistemas biofísicos e humanos. Através da análise de imagens de satélite, a forma de desmatamento “espinha de peixe” é normalmente atribuída às áreas colonizadas por assentamentos, enquanto formas geométricas são atribuídas às áreas de médias e grandes fazendas e ainda áreas distantes mais de 1500-2000 metros dos eixos rodoviários (Pereira et al., 2007). Contrariamente ao restante da área de influência, o Assentamento Margarida Alves apresenta uma paisagem fundiária geométrica intermediária graças a sua reserva em bloco. Essa geometria pode desempenhar papel preponderante para a conservação e o estoque de recursos florestais em uma região de elevado desmatamento e fragmentação da cobertura vegetal, por constituir um bloco de floresta continuo em comparação ao reduzido tamanho e fragmentação das reservas legais individuais.
D. Flexibilização da legislação ambiental
Os sucessivos Códigos Florestais brasileiros (1965, 2001 e 2012)diminuiram progressivamente a área a ser destinada como reserva legal. Primeiro de 80% para 50% e finalmente anistiando todos os desflorestamentos ocorridos até o ano de 2006 (exceto Áreas de proteção permanente). Se analisarmos a imagem por blocos e não por lote individual, é possível aferir que no ano de 1985 toda a região ainda possuía 80% de cobertura florestal, conforme determinava a lei em vigor. Em 1996 e 2007, a área de influência direta apresentava menos do que 80% e 50% respectivamente de cobertura florestal. E encontrava-se assim em situação de irregularidade. Somente a área ocupada hoje pelo PA Margarida Alves foi capaz de manter uma taxa de cobertura florestal sempre dentro da legislação ambiental em vigor (80% até 2001 e 50% após essa data).
Figura 14. Gráfico temporal de evolução das leis sobre cobertura florestal x taxa de cobertura floresta na área de estudo 1.
A anistia concedida pelo novo Código Florestal (2012) aos desmatamentos anteriores à 2006 regularizou a supressão das reservas legais na área de influência do PA Margarida Alves e contribui significativamente para a estabilização da paisagem fundiária. Nesse quadro, os dois blocos de reserva legal tendem a se consolidar como últimos fragmentos florestais de relevância dessa região, o que deve levar à um recrudescimento dos conflitos e disputas pelo uso dos recursos naturais, em especial a madeira e a caça.
Conclusão
Os resultados obtidos através da classificação de imagens Landsat e das enquetes de campo permitem concluir que há uma diferença significativa no padrão de conservação de reservas legais em bloco geridas coletivamente e aquelas geridas individualmente. Mesmo em uma região marcada pelo forte desflorestamento nos últimos 40 anos, situada no arco de desmatamento amazônico, a gestão coletiva da reserva legal constituiu um freio à supressão deliberada da cobertura vegetal, que por sua vez foi observada na região do entorno.
Diversos fatores implicam nessa desaceleração do desmatamento nas reservas em bloco. Um dos que nos parece mais evidente é o controle imposto coletivamente, de forma que o uso indiscriminado da reserva legal por um único individuo ou um grupo restrito de indivíduos, gera uma reação contrária dos demais que se mobilizam para censurar e eventualmente impôr sanções e punições à uma utilização egoística. Foi o que ocorreu à época da falência da APA quando pessoas externas ao assentamento tentaram alienar a Reserva Legal à um plano de manejo junto ao IBAMA, cuja finalidade era aprovar um financiamento a produtores orgânicos de toda a região. E que ocorre novamente neste momento com o Plano de Manejo Coletivo da Reserva Legal para extração de madeira, pelo qual os moradores do Margarida Alves já se posicionaram – alguns contra e outros a favor – e que entrará em vigor brevemente.
Nas reservas legais individuais essa expectativa de punição é drasticamente reduzida, ainda que o poder público, em tese, devesse exercer o papel de fiscalizador. Na prática, o que se observou foi a flexibilização das regras, primeiro com o ZSEE (2001) e finalmente com a anistia consentida pelo Código Florestal de 2012. A ausência de expectativa de punições reais, seja pelo poder público seja pela própria comunidade, fatalmente induz esses proprietários de terras com reservas legais individuais ao desmatamento, visando um benefício individual imediato.
As reservas legais em bloco, geridas coletivamente, apresentam-se assim como um instrumento de política pública à ser difundido com vistas à conservação, no âmbito de programas de política agrária, fundiária e ambiental. No entanto essas iniciativas são escassas em uma região na qual os direitos territoriais e fundiários estão em consolidação. Esse modelo tem encontrado um sucesso relativo em outras regiões da Amazônia brasileira, em particular relacionado à outras modalidades jurídicas fundiárias, com destaque para terras quilombolas e reservas extrativistas. Entre os assentamentos da reforma agrária a modalidade é menos presente e as mudanças recentes no Código Florestal brasileiro possivelmente incidirão sobre a difusão do modelo.
Notas
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(2) Os resultados do programa DURAMAZ 1 podem ser consultados na obra L'Amazonie brésilienne et le Développement Durable (Le Tourneau et Droulers, 2011).
(3) A APA (Associação dos produtores alternativos) foi uma Associação de pequenos produtores rurais criada em 1992 por iniciativa do Sindicato Rural de Trabalhadores (STR) de Ouro Preto do Oeste (RO). Essa associação, com um viés ideológico bastante marcado, se inseria em uma proposta de comércio solidário e de boas práticas de agricultura (abandono das queimadas, de agrotóxicos, etc.). Contando inicialmente com 29 produtores e produzindo hortaliças, a APA se expandiu ao longo dos anos 1990 e chegou a produzir 45 toneladas de Palmito Pupunha por ano. A experiência ganhou repercussão na mídia nacional e a Associação chegou a comercializar seus produtos na França através de uma rede de comércio justo. Mas problemas administrativos severos, além de divergências ideológicas entre os seus associados, levaram a falência da APA no ano de 2008.Alves Diógenes S. (2001). "O processo de desmatamento na Amazônia". Parcerias estratégicas, 12: 25-75.
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Para citar esse artigo
Marcelo Pires Negrão, Luciana Riça Mourão Borges, Marcel Bizerra de Araújo, "Desmatamento, reserva legal e sustentabilidade em Rondônia (Brasil): uma análise dos padrões de evolução da cobertura vegetal em área de Assentamento", RITA [en ligne], n°8: juin 2015, mis en ligne le 17 juin. Disponible en ligne: http://revue-rita.com/notesderecherche8/desmatamento-reserva-legal-e-sustentabilidade-em-rondonia-brasil-uma-analise-dos-padroes-de-evolucao-da-cobertura-vegetal-em-areas-de-assentamento.html