O Movimento Passe Livre e a Crítica Marxista ao Planejamento das Cidades Brasileiras
Le mouvement "Passe Livre" et la critique marxiste sur la planification des grandes villes
Resumo
Este artigo trata da forma como o Movimento Passe Livre concilia referências marxistas e autonomistas na construção do seu projeto político, para o qual se inspira na teoria de Henry Lefebvre sobre direito à cidade. Nessa abordagem, analisamos como o movimento dialoga com os estudos urbanos no Brasil, e em particular com o conceito de marginalidade (empregado por Manuel Castells), as teses sobre planejamento urbano liberal competitivo e o conceito de Cidade-Empresa.
Palavras-chaves: Urbanismo; Mobilidade; Marxismo; Democracia; Capitalismo.
Résumé
Cet article traite de la manière dont le mouvement Passe Livre réconcilie les références marxistes et autonomes dans la construction de son projet politique, pour lequel il s'inspire de la théorie d'Henry Lefebvre sur le droit à la ville. Dans cette approche, nous analysons comment le mouvement dialogue avec les études urbaines au Brésil, et en particulier avec le concept de marginalité (employé par Manuel Castells), les thèses sur l'urbanisme libéral compétitif et le concept de ville-entreprise.
Mots-clefs: Urbanisme; Mobilité; Marxisme; Démocratie; Capitalisme.
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Humberto Machado Lima Junior
Doutor em Sociologia IESP/UERJ
Pesquisador Visitante ITS-Rio
Professor SciencesPo-Paris Printemps 2018/2019
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Reçu : 20 octobre 2019 / Accepté : 28 juillet 2020
O Movimento Passe Livre e a Crítica Marxista ao Planejamento das Cidades Brasileiras
Introdução
Neste artigo investigaremos como o Movimento Passe Livre (MPL) desenvolve seu projeto político no qual se pretende que, através da democratização do acesso aos bens e serviços públicos que a cidade tem a oferecer, seja possível superar as formas de reprodução dos antagonismos do capitalismo no planejamento das cidades brasileiras. Com este propósito, analisaremos como o MPL absorve e recria o legado teórico de Henry Lefabvre sobre o Direito à Cidade, assim como, de que maneira o movimento dialoga com os estudos urbanos no Brasil e concilia princípios marxistas e autonomistas no seu projeto de reinvenção do urbano. Nesta investigação, foi adotado como método a defrontação entre os depoimentos, artigos e entrevistas divulgados no site oficial do MPL (como fonte primária), as referências teóricas adotadas pelo movimento e a literatura sobre estudos urbanos no Brasil.
O artigo inicia com uma análise dos princípios constitutivos e do projeto político do MPL. Posteriormente, aborda como o movimento faz uma leitura própria da noção de direito à cidade e reflete sobre o planejamento urbano segundo o enquadramento teórico marxista. Em seguida, trata da influência dos estudos urbanos no Brasil na ação política do MPL e conclui com o diálogo do movimento com o planejamento urbano liberal competitivo e com o conceito de Cidade-Empresa.
I. O Projeto Político do Movimento Passe Livre
O Movimento Passe Livre (MPL) foi formalmente fundado no Fórum Mundial de Porto Alegre, em 2005, enquanto uma rede federativa de coletivos regionais dispersos em território nacional que lutavam desde os anos 1980 contra o aumento das passagens de ônibus. Em sua Carta de Princípios (http://tarifazero.org/), o MPL se auto define como um “movimento social anticapitalista, autônomo, apartidário, horizontal e independente[1]”, que luta por um transporte público independente da iniciativa privada. A constituição do MPL a partir de tais princípios se deve à conexão de seus integrantes, em termos ideológicos e de repertório de ações coletivas[2], com os movimentos antiglobalização que ganharam destaque no cenário internacional a partir do final do século XX ao se contraporem à ascensão da austeridade neoliberal em escala global (Bringel & Echart, 2010). Esses movimentos eram marcados pela ocupação de espaços públicos de modo a convertê-los em assembleias populares autônomas e pela estratégia de bloqueio das vias públicas como forma de ação política – práticas que foram incorporadas ao repertório de ação coletiva do MPL (Gerbaudo, 2012)
O objetivo prioritário declarado do MPL é a implementação da Tarifa Zero. Tal objetivo é definido com base no argumento de que o custo de operação do sistema de transporte público deve ser desvinculado do pagamento da tarifa feita pelo usuário. Isso significa que os custos não poderiam recair sobre a classe trabalhadora, como ocorre atualmente com o modelo de tarifa e de concessão à iniciativa privada, segundo a visão dos militantes. O modelo atual promoveria isenções fiscais às empresas operadoras de ônibus que penalizam a população com os cortes nos serviços públicos e os sucessivos aumentos no preço das passagens, que agravam o problema da segregação espacial (Manolo, 2004; Oliveira & Toledo, 2011)
Da mesma forma que a educação, a saúde e a moradia são considerados direitos sociais, o MPL propõe em seus documentos oficiais que a mobilidade urbana seja considerada um direito fundamental e inegociável do cidadão em virtude da centralidade do papel da mobilidade para o acesso aos demais direitos e para a reversão da subjugação do planejamento urbano à lógica do capital, tal como é compreendido na noção de direito à cidade do MPL[3]. A centralidade da mobilidade urbana, na visão do movimento, se deve ao fato de que as desigualdades sociais, no que se refere à inserção no mercado formal de trabalho e ao acesso a serviços públicos (que constituem uma forma de salário indireto), têm relação com a segregação espacial e o acesso diferenciado à circulação pelo espaço urbano. Nesse sentido, a Tarifa Zero seria uma atualização indispensável ao funcionamento das cidades modernas, sobretudo as periféricas, que sofrem com problemas de funcionalidade que encurtam vidas tanto pelas horas perdidas durante o deslocamento quanto pelos números expressivos de acidentes no trânsito. Desse modo, o movimento defende a representação democrática direta através da mobilização do povo e dos trabalhadores para a expropriação do transporte coletivo, retirando-o da iniciativa privada e colocando-o sob o controle popular - nos termos da sua militância (Saraiva, 2017; Cruz & Da Cunha, 2009).
Entretanto, apesar de pregar como princípios constitutivos a autodeterminação e o apartidarismo, o MPL enxergou na participação institucional e na interlocução com o Estado alguns dos mecanismos de alcance de suas reivindicações. A relação do MPL com o Estado se deu, sobretudo, de duas formas: através do encaminhamento de projetos de Lei e da liberação de integrantes do movimento para atuarem em Conselhos Municipais de Transporte. O encaminhamento de projetos de Lei era feito mediante coleta de assinaturas para garantir legitimidade e conquistar o apoio de vereadores e deputados na tramitação nas câmaras legislativas A coleta de dados, por sua vez, era produto do trabalho de base e educação das mentalidades realizado pelo MPL nas escolas e entre a população dos bairros da periferia (Ponte de Sousa, 2014).
Desse modo, a formação do MPL é resultante da convergência de princípios anarquistas e marxistas. O projeto político do MPL de reinvenção do espaço urbano pelo rompimento com a lógica capitalista demonstra clara influência marxista; por outro lado, suas estratégias de ação e formas de organização política baseadas na horizontalidade, na constituição de assembleias autônomas nas quais as deliberações são adotadas por consenso, no apartidarismo e na independência em relação ao Estado assinalam forte legado anarquista. Assim, o movimento apresenta uma produção discursiva marxista e um repertório de ação coletiva anarquista.
Em virtude da heterogeneidade da composição de seu quadro de militância (o qual congrega ativistas de orientação marxista, anarquista, populista, entre outras), não parece possível afirmar que o MPL propõe a construção de uma sociedade socialista ou anarquista. Porém, a análise dos depoimentos, notas e artigos produzidos coletivamente por sua militância nos mostra que o MPL tem um projeto utópico (na acepção mannheimiana) de superação do capitalismo rumo a uma sociedade na qual os indivíduos tenham uma participação mais direta na definição dos assuntos políticos. A Tarifa zero seria um exemplo de conciliação do hibridismo das referências teóricas diversas que norteiam os integrantes do MPL ao apontar para o caminho de formação de uma sociedade mais autônoma e livre da subjugação à lógica capitalista.
O MPL identifica na subjugação do planejamento urbano à lógica capitalista um antagonismo entre sociedade civil e Estado (manipulado por grupos econômicos e oligarquias tradicionais), não um antagonismo entre burguesia e proletariado, uma vez que o segmento que o MPL se propõe a defender, o “povo”, vai além da classe proletária. A noção de povo assumida pelos integrantes do MPL, do modo como é visto nas notas e artigos do seu site oficial (tarifazero.org), corresponde ao segmento (não à totalidade) da população do território nacional cujos interesses são subrepresentados no sistema democrático. Esta subrepresentação se refere à idéia de que as grandes corporações nacionais e internacionais têm maior poder de influência nos processos deliberativos do Estado. Assim, o “povo” é definido pela restrição ou negação tanto da capacidade de representação e deliberação políticas quanto do acesso aos bens sociais e serviços públicos (transporte, saúde, educação, habitação, etc.).
Importante exemplo da participação do MPL na máquina estatal e na elaboração de políticas públicas foi a experiência do militante do MPL, Lúcio Gegori, como Secretário de Transporte do Governo Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo. Gregori foi idealizador naquela gestão do projeto da tarifa zero, o qual harmonizou as divergências ideológicas internas ao movimento fragmentadas entre as propostas de estatização dos transportes, de coletivização da mobilidade urbana e de subsídio estatal às empresas de transporte (Cauê, 2014).
Enquanto secretário de transportes, Gregori defendeu que ao longo da implantação dos modelos de desenvolvimento no Brasil, a mobilidade e o sistema de transporte foram entendidos enquanto responsabilidade exclusiva do cidadão. Assim, a mobilidade urbana teria se transformado em uma frente de negócios cartelizada, em território nacional, na qual as concessões seriam estabelecidas, de maneira sistemática, com as mesmas empresas em cada município (Gregori, 05/04/2017, Tarifazero.org).
Por conseguinte, sua proposta, compartilhada pela militância, era de que o transporte coletivo deveria ser gerido através de uma associação entre a administração pública e a população. Aos olhos do movimento, esse procedimento daria transparência a todos os aspectos da questão e conciliaria o conhecimento tecnocrático ao conhecimento que parte da experiência e das necessidades dos usuários do sistema de transporte. Assim, a gestão do transporte urbano seria pública, não estatal, através de conselhos populares compostos por representantes da sociedade, trabalhadores e gestores ligados ao aparato estatal que não teriam direito a voto – apenas à voz -, numa função consultiva, porém não deliberativa.
II. O Movimento Passe Livre e o planejamento urbano segundo o enquadramento teórico marxista
Ao observarmos as notas e artigos redigidos coletivamente pelos militantes do MPL divulgados em seu site oficial, notamos que a obra o Direito à Cidade (1968), de Henri Lefebvre, é a referência teórica mais diretamente citada e basilar do projeto político deste movimento. Nessa publicação, Lefebvre propõe que o espaço urbano seja analisado através da dialética marxista, notadamente, por meio da relação entre estrutura (o desenvolvimento do capitalismo industrial) e superestrutura (a construção da sociedade e da cultura urbanas), tendo em vista que a superestrutura se fundamenta na estrutura e tem o sentido de lhe dar sustentação. Por conseguinte, o capitalismo converte o espaço urbano em mercadoria e o subjuga à lógica da propriedade privada e do mercado sobrepondo seu valor de troca ao valor de uso e criando um processo constante de revalorização especulativa e segregação espacial por classe social.
Em diálogo com o quadro teórico marxista de estrutura X superestrutura, Lefebvre observa uma relação de interdependência direta entre mobilidade urbana e modo de produção capitalista, o que desloca a mobilidade urbana e o espaço social no capitalismo da posição de superestrutura (aproximando-os da posição de estrutura) e lhes confere centralidade para a reprodução do sistema capitalista e para a organização da ordem social. A construção da utopia de um espaço urbano acessível a todos igualitariamente, controlada pela razão dialética, passa necessariamente pela transformação da estrutura social, ou seja, do seu modo produtivo.
De acordo com esse enquadramento teórico, a luta pelo direito à cidade corresponderia à ação coletiva política e cultural de caráter direto em ocupações do espaço público por parte da população organizada pelo acesso equânime aos bens sociais que a cidade tem a oferecer. Mais do que isso, envolve a democratização da mobilidade urbana que permite uma equiparação na capacidade de organização política da população a fim de garantir a plena capacidade de organização e ação política da classe operária, legítimo vértice da reforma urbana. Lefebvre adota os conceitos marxistas de classe em si e classe para si na identificação do sujeito capacitado a reverter a lógica capitalista do espaço urbano. [4]
O MPL tem uma leitura particular da luta pelo direito à cidade interpretada como a luta pela democratização do espaço urbano e a consequente superação do seu modelo de ordenamento baseado na reprodução do antagonismo de classes. A percepção de cidade dos seus militantes corresponde ao resultado da liberdade dos indivíduos tanto de reinventarem o espaço quanto de reinventarem a si próprios e pressupõe o acesso, a mobilidade, como condição sine qua non para sua realização e para reversão da segregação espacial e da subjugação do espaço urbano à lógica do capitalismo. Assim, a luta pela mobilidade espacial abrange a luta pelo acesso à moradia, à saúde, à educação, à cultura, ou seja, aos bens sociais que a cidade tenha a oferecer, bem como pelo acesso à capacidade de organização política. Tanto esta concepção de cidade quanto a referida ideia de luta por mobilidade espacial são expressamente assumidas pelo Movimento Passe Livre nos artigos escritos coletivamente em sua página oficial.
III. O Diálogo entre o Movimento Passe Livre e os estudos urbanos no Brasil
A visão de Lefebvre é contraposta pela teoria marxista e científica da urbanização elaborada por Castells em A questão urbana (1972), importante referência para os estudos urbanos feitos por intelectuais da USP – dentre os quais podemos destacar Ermínia Maricato(1979), Raquel Rolnik (1979) e Pedro Fiori Arantes (2000). Boa parte destes estudos foram publicados pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) e são mencionados como referências teóricas nos artigos escritos coletivamente no site oficial do MPL. Sob a ótica de Castells, o espaço urbano capitalista é entendido como processo de reprodução social da força de trabalho, incumbido da oferta de serviços públicos, das ações de integração social e da repressão, e como esfera de consumo coletivo. Nessa esfera, o antagonismo não se dá entre capital e trabalho, mas entre trabalhadores e Estado. O consumo coletivo em que consiste o espaço urbano não se realiza econômica e socialmente pela livre ação do mercado, mas através das políticas públicas implementadas pelo Estado.
Os intelectuais da USP assumiram a percepção de Castells do espaço urbano como produto material de uma determinada formação social e, por conseguinte, como unidade espacial de reprodução da força de trabalho. Desse modo, o espaço urbano seria o consumo coletivo do urbano, não tendo como elemento constitutivo a qualidade de se produzir a si próprio e de se auto reproduzir – tal como na visão de Lefebvre.
A assimilação da perspectiva de Castells por parte dos intelectuais da USP os distancia das pesquisas sobre a urbanização sob a supremacia neoliberal desenvolvidas no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR) (Vainer, 2016; Santos Jr., 2014). Estas adotam a noção lefebvriana de autonomia do urbano e suas teses também aparecem nos artigos do MPL. A divergência entre Lefebvre e Castells sobre a questão do espaço urbano ter ou não um caráter autônomo e, por conseguinte, ter a capacidade de se auto produzir e reproduzir, terá reflexos sobre a diferença de visão dos referidos autores sobre os movimentos sociais urbanos.
Na perspectiva de Lefebvre, tais movimentos terão uma atitude coercitiva em relação ao Estado, ao passo que, segundo Castells, estes serão reivindicadores da ação reguladora e provedora do Estado. Do ponto de vista do marxismo clássico, os “marginais”, categoria assumida por Castells, não constituem uma classe social e, portanto, não se contrapõem à burguesia e tampouco são vetores da transformação da sociedade. Castells não os compreende dessa forma, contudo vê nessa nova categoria, assim como nos movimentos sociais que atuam na vida quotidiana dos bairros segregados, um novo agente político fundamental para a superação das contradições entre trabalhadores e Estado (Arantes, 2009: 109)[5].
Nesse sentido, os intelectuais da USP entendem que o papel dos movimentos sociais na luta contra a segregação espacial é de buscar uma intervenção estatal reguladora que amplie e assegure direitos sociais e estabeleça um padrão de urbanização mais homogêneo e democrático através de um programa reformista, próximo do Welfare State europeu. Sob essa ótica, está implícita a supremacia do poder do Estado sobre as ações coletivas. Premissa oposta à perspectiva lefebvriana da cidade como negociação e da ascendência da ação coletiva sobre o Estado.
Entretanto, o Movimento Passe Livre, através de suas estratégias de ação política e de suas publicações, ultrapassa e se opõe à visão reformista de Castells, tal como se manifesta nas ideias que circulavam na produção da USP, referente à demanda por um Estado regulador. O MPL, de outro modo, adota uma postura coercitiva em relação ao sistema representativo, constituindo uma sobreposição da ação coletiva sobre o Estado. Por outro lado, as demandas do movimento por democratização do espaço urbano não se esgotam no Estado de Bem Estar mas têm por horizonte a superação da lógica capitalista no espaço urbano e, em face da centralidade da mobilidade urbana para a reprodução do sistema capitalista, objetiva a superação do capitalismo. O MPL entende a luta pelo acesso à cidade como a luta emancipatória da classe trabalhadora face ao capitalismo.
IV. Os Desafios trazidos pelo Planejamento Urbano Liberal Competitivo e pelo conceito de Cidade Empresa para o MPL.
O MPL assume o conceito de marginalidade causada pela especulação no espaço urbano, porém ultrapassa a perspectiva reformista e adota uma postura de enfrentamento do Estado. No início do século XXI, a difusão no Brasil dos conceitos de neourbanismo e de cidade empresa (Vainer, 2016; Santos Jr., 2014; François Ascher; 2010), que já vinham se propagando em escala global desde o final do século XX, implicou na implementação de um conjunto de políticas públicas que catalisaram as ações de enfrentamento do MPL tal como pode ser visto nos artigos redigidos pelo movimento e nos protestos que ocorreram.
De acordo com a ideia da supremacia dos interesses públicos sobre os interesses individuais presente no urbanismo moderno, as obras públicas, intervenções urbanas, desapropriações, tributos, etc., seriam a priori legitimados pela superioridade do interesse coletivo sobre os interesses privados. Ao passo que no urbanismo pós-moderno, no qual a definição de interesse coletivo teria sido fluidificada e fragmentada, observa-se a substituição da ideia de interesse comum pelo reconhecimento da legitimidade da multiplicidade de interesses. Na pós-modernidade, o neourbanismo teria abdicado da supremacia do interesse comum sobre o privado pelo princípio de negociação de acordos caso a caso. Haveria, desse modo, uma primazia dos acordos em detrimento da Lei (Ascher, 2010: 83-ss).
Com tal prevalecimento dos acordos sobre a Lei, trata-se de submeter o planejamento urbano e as intervenções públicas ao capital privado. De acordo com essa lógica de desenvolvimento urbano, o Estado fica encarregado de criar condições para que os atores privados possam investir e intervir nas áreas que lhes sejam vantajosas. Pelo mesmo princípio, o Estado incumbe-se de atuar em áreas onde o setor privado não seja capaz de equacionar os problemas referentes à organização de infra-estrutura (Vainer, 2016).
Submetida ao mercado, a cidade passa a ser entendida como uma empresa. Por esse aspecto, sua administração deve ser concedida diretamente às empresas capitalistas, uma vez que a burocracia estatal seria, por princípio, um entrave à capacidade da cidade de aproveitar as oportunidades de negócios e de mostrar eficiência econômica e competitividade em relação às demais cidades.
A cidade convertida em empresa traduz-se em um processo sistemático de desqualificação do sistema político. Nesse processo, parte-se do pressuposto de que a cidade não é o espaço de disputas ideológicas, mas de assuntos locais relacionados à produtividade e à competitividade da própria cidade como condição fundamental para o seu crescimento econômico (Vainer, 2016: 6). No Estatuto da Cidade, sancionado pelo Congresso Nacional Brasileiro em 2001, é possível verificar dispositivos legais que possibilitam a flexibilização da administração das cidades no sentido de convertê-las em cidades empresas:
Sob a ótica de Ana Paula Carvalho (2012), o Estatuto da Cidade é, contudo, o resultado da luta em conjunto de movimentos por moradia, sindicatos, ONGs e profissionais do meio acadêmico reunidos em torno do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, o qual se transformou em Fórum Nacional de Reforma Urbana, nos anos 1990. O Estatuto oferece aos governos municipais meios legais para executar ordenamento territorial, realizar o planejamento urbano e estabelecer mecanismos para a democratização do gerenciamento das cidades. Do mesmo modo, ao promover a função social da propriedade urbana, o Estatuto se constitui enquanto um instrumento legal para fazer a regularização fundiária de assentamentos informais (como favelas).
Sob os aspectos expostos, o Estatuto da Cidade cria condições legais para a concretização do projeto de Henri Lefebvre segundo o qual o direito à habitação não pode estar dissociado do direito à participação. Entretanto, ao abrir precedentes legais para que a iniciativa privada modifique a Lei conforme seus interesses, o Estatuto da Cidade autoriza e consolida a prática da exceção legal e converte a exceção em regra criando medidas jurídicas que não podem ser compreendidas no plano do direito. Assim, a Cidade Empresa, criada pelo planejamento urbano liberal competitivo, institui-se através da transformação da exceção em regra – fenômeno que caracteriza o estado de exceção. Por sua vez, o estado de exceção fixa as bases sobre as quais fundamenta-se o totalitarismo moderno (Agamben, 2004: 12).
A legitimidade necessária para dar sustentação ao estado de exceção assenta-se na ideia de crise permanente, a qual configura-se através da perspectiva de competitividade entre as cidades pela atração de oportunidades de negócios e investimentos. Desse modo, a Cidade Empresa, ou Cidade de Exceção, constitui um padrão de regime urbano no qual o conjunto de instituições democráticas representativas permanecem vigentes, porém cedem regularmente suas atribuições e poderes ao capital privado que age livre da burocracia e do controle político popular. Portanto, a Cidade Empresa se constitui em democracia direta do capital privado (Vainer, 2016).
Ao mesmo tempo em que propõe a participação popular no processo decisório sobre o planejamento urbano, o Estatuto da Cidade estabelece espaços deliberativos fora do alcance popular. Desse modo, na prática, cria dispositivos legais de conversão da cidade em empresa, conforme o planejamento urbano liberal competitivo, e se contrapõe à noção lefebvriana de direito à cidade no que tange à apropriação e recriação simbólica do espaço urbano pelos moradores. Do mesmo modo, cria obstáculos à mobilidade urbana – outro pilar do direito à cidade.
O planejamento urbano liberal competitivo vem sendo difundido na América Latina como alternativa para os novos impasses do neoliberalismo pelas agências de cooperação e instituições multilaterais (BIRD, Habitat, ONU, BID, Banco Mundial) desde o final dos anos 1980. Tais impasses se referem às dificuldades na acumulação de capital a ser investido na produção e no crescimento econômico. A ideia é de que as cidades precisam ser “vendidas” de modo a terem recursos para se conectarem à globalização econômica.
No Brasil, ao longo da primeira década do século XXI, a implementação do conceito de Cidade Empresa ganhou magnitude através das políticas público privadas referentes à realização de mega eventos como os jogos Pan Americanos, em 2007, a Copa do Mundo, em 2014, e os Jogos Olímpicos, em 2016. O processo de efetuação dessas parcerias público privadas (PPP) e a repressão ostensiva aos protestos contra os procedimentos adotados nas referidas políticas públicas tiveram efeito catalisador sobre as estratégias de ação política do MPL e de demais atores políticos antagônicos às políticas urbanas em andamento (Vainer, 2013).
A associação entre capital e Estado para a realização dos mega eventos intensificou a implantação da Cidade de Exceção. A Fifa e o COI, configurados enquanto cartéis internacionais associados a grupos econômicos nacionais e interesses locais, foram beneficiados com isenções de impostos, monopólio dos espaços publicitários e monopólio de equipamentos esportivos resultantes de investimentos públicos.
A Lei Geral da Copa, sancionada em 2012, violou o Estatuto do Torcedor na medida em que os monopólios estabelecidos para a concessão de serviços em áreas da cidade desrespeitam os direitos do consumidor. A reestruturação urbana para a realização dos jogos promoveu remoções forçadas de 200 a 250 mil pessoas nas cidades anfitriãs da Copa em um processo de segregação espacial por classe social e etnia. Tais procedimentos aprofundaram problemas referentes à favelização, economia informal, precarização de serviços públicos em regiões que não suscitavam investimentos privados, degradação ambiental, violência urbana, congestionamento e custos crescentes de um transporte público precário e espaços urbanos segregados (Vainer, 2016: 70).
De modo surpreendente, a organização das PPPs e dos movimentos sociais contrários a elas e ao planejamento urbano proposto pela associação entre capital e Estado foi concomitante. Já em 2005, foi fundado, no Rio de Janeiro, o Fórum Social do Pan. Durante o Fórum Social Urbano, evento paralelo ao Fórum Urbano Mundial, promovido pela agência UN-Habitat, em 2010, começaram as articulações que iriam originar os Comitês Populares da Copa e a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop). Em 2011, a Ancop produziu o dossiê Megaeventos e violações de direitos humanos no Brasil, entregue a autoridades municipais, estaduais e federais. Esse conjunto de Fóruns e associações aglutinavam a resistência de moradores de comunidades e bairros perante as remoções previstas nas intervenções para a realização dos mega eventos e serviam como porta vozes para as denúncias sofridas pela população.
O Movimento Passe Livre solidarizou-se com os protestos apoiados pela Ancop contra o conjunto de medidas de cerceamento do direito à cidade adotadas na concretização do modelo de Cidade Empresa por ocasião dos referidos mega eventos. Além da mobilização das emoções e dos sentimentos de indignação e injustiça através das mídias digitais e da participação nas mobilizações populares de enfrentamento do Estado, os militantes do MPL utilizavam seu site oficial para apresentar os gastos com a realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos como argumentos em favor da implementação da Tarifa Zero, pois a oferta de recursos públicos destinados à realização dos mega eventos era uma comprovação de que o Estado dispunha de recursos para a adoção da tarifa zero.
Segundo Orlando Santos Junior (2014), a luta dos Comitês Populares da Copa, bem como a luta do MPL contra a materialização da ideia de Cidade Empresa, pode ser entendida a partir do conceito de “práticas heterotrópicas” apresentado por Henri Lefebvre em A Revolução Urbana: Espaço e Política (1970/2008). No contexto de subjugação do espaço urbano à lógica do capital, as práticas heterotrópicas exercidas pelos movimentos sociais refletem os contrastes e conflitos de interesses e travam a luta pelo direito à cidade através de formas de apropriação material e simbólica dos espaços públicos.
Santos Jr. agrega a contribuição de Pierre Bourdieu à leitura de Harvey e Lefebvre para analisar os movimentos contrários à reestruturação urbana neoliberal promovida pela aliança entre o capital e poder executivo. O argumento de Bourdieu exposto em A Miséria do Mundo (1997) é de que o espaço urbano é marcado por disputas de apropriação simbólica e material dos bens e serviços dele constitutivos. Nesse cenário, a capacidade de dominação do espaço urbano depende da manipulação das diversas formas de capital dos agentes em disputa (capital cultural, social, econômico, político, etc.). As noções de disputa e capital simbólico, bem como, a idéia de heterogeneidade de agentes, constituem um instrumental analítico apropriado, na visão de Orlando Jr., para interpretar a fragmentação e divisão tanto dos sujeitos quanto dos seus interesses promovida pelo neoliberalismo. O contexto social construído pelo neoliberalismo impulsionaria a formação de novas alianças entre capital e Estado para produção de valor excedente no espaço urbano através da conversão da política urbana em uma relação mercantil na qual o capital privado garantiria sua margem de lucros transferindo custos e riscos para as autoridades públicas. Por conseguinte, estimularia a criação de novas estratégias de luta pelo direito à cidade perante os novos padrões de aliança entre capital e Estado (Santos Jr, 2014).
Esta linha interpretativa adota a proposta de David Harvey (2012) da necessidade de redefinir o conceito de classe de acordo com os agentes que constroem a cidade e a necessidade de romper com a visão homogênea de classe trabalhadora. De acordo com tal proposta, para redefinir o conceito de classe seria preciso considerar que o capitalismo neoliberal fragmenta a classe trabalhadora e ativa distinções simbólicas (como cultura, gênero, características étnicas, padrões de consumo, crenças religiosas, entre outras). Esta forte capacidade de fragmentação e divisão do neoliberalismo se reflete na produção de desigualdades e diferenciações espaciais.
Por este raciocínio, a nova compreensão de classe no contexto do neoliberalismo deve relacionar luta de classes e luta pelos direitos dos cidadãos. Tal relação é necessária na medida em que as dinâmicas de exploração de classe não se restringem ao local de trabalho, mas se estendem às diversas formas de segregação e privatização espacial na ordem urbana capitalista. No neoliberalismo a urbanização seria produzida por si mesma. Os trabalhadores estão implicados na produção da cidade e o trabalho deles é gerador de valor e de valor excedente. Portanto, faria mais sentido pensar na cidade enquanto produtora de valor excedente e de formas de exploração do que nas fábricas ou locais de trabalho. Essas outras formas de exploração teriam um papel fundamental para as dinâmicas de acumulação e do capital e de poder de classe. Assim, a luta pelo direito à cidade envolve a aliança meta abrangente da classe trabalhadora na sua diferenciação e fragmentação promovida pelo neoliberalismo (Harvey, 2012: 128-130).
O planejamento urbano liberal competitivo, que traz consigo a idéia de Cidade Empresa, cria obstáculos à concretização da utopia lefebvriana defendida pelo MPL na medida em que distancia a população dos processos deliberativos sobre o planejamento urbano – tal como observamos nas pesquisas realizadas no IPPUR. Desse modo, o modelo liberal competitivo reconfigura o conflito social urbano da dicotomia entre sociedade e Estado para o antagonismo entre sociedade civil e a parceria entre capital privado e Estado firmada na política da Cidade Empresa. A proposta elaborada pelo MPL enquanto intelligentsia a partir da síntese das contradições deste contexto liberal competitivo é a tarifa zero. Por meio dessa proposta, a mobilidade urbana deixaria de ser financiada pela tarifa e passaria a ser garantida através de uma reforma tributária com perfil de política de distribuição de renda. De acordo com essa política pública, o sistema de transporte urbano seria institucionalizado a nível do Estado, porém administrado pela coletividade através de conselhos populares, conciliando a perspectiva de socialização com a perspectiva de coletivização.
Considerações Finais
Na construção da sua utopia anticapitalista, a militância do MPL assume uma identidade que se aproxima do conceito de intelligentsia (Mannheim, 1960), o qual corresponde a um segmento social desvinculado de qualquer interesse direto de classe social. A unidade deste grupo não seria dada pela origem social, mas pelo exercício da função de pensar sobre os rumos, conflitos e antagonismos da sociedade em que se insere. Por não estar imerso em uma cultura de classe, tal segmento poderia desenvolver uma capacidade auto reflexiva acerca das suas próprias raízes sociais, bem como, analisar e defender os interesses do conjunto da sociedade. Além disso, poderia realizar uma síntese dos antagonismos da sua sociedade na medida em que traz esses antagonismos em si. A presença dos antagonismos sociais no interior da intelligentsia advém do fluxo constante de entrada e saída de pessoas de origens sociais distintas – fato que confere à intelligentsia uma estrutura interna dinâmica. Tais aspectos podem ser observados entre os membros do MPL que vêm de diversas origens sociais e não estão conectados a uma classe social específica – o que os une é a condição de estudante. A partir desta condição, desenvolvem uma perspectiva sobre o conjunto da sociedade e elaboram uma síntese dos antagonismos do seu processo histórico.
Tal identidade da militância do MPL está em paridade com a visão sartriana do intelectual universal que encarna a consciência moral e política de seu tempo, expressando a síntese de uma sociedade. Para Sartre, o intelectual converte a prática da escrita em um instrumento de intervenção política para transformar tanto a condição social do cidadão comum quanto a compreensão que ele tem de si próprio” (Sartre, 1999: 121). Ao mesmo tempo, entretanto, os ativistas do MPL, através da experiência de auto gestão nas assembleias públicas e de seus princípios constitutivos (horizontalidade, descentralidade e autonomia), estão em conformidade com a rejeição de Foucault à figura do intelectual como representante da consciência de seu tempo e como condutor da luta popular. (Foucault, 1979: 71). Os militantes do MPL compartilham com Foucault a perspectiva de que, enquanto intelectuais, devem somar-se à construção coletiva da consciência social e do projeto utópico popular, assim como devem entregar-se a atuações setoriais de estratégias de ação política, ao invés de lutas universais.
Por outro lado, a concepção de Direito à Cidade do MPL, sob influência de Lefebvre, extrapola os limites da democracia liberal em que o Estado concede aos cidadãos mecanismos de controle por meio de eleições, partidos, leis e instituições estáveis. Nesse caso, a luta pelo direito à cidade estaria compreendida em estratégias legais reformistas de reivindicação da função provedora do Estado. Lefebvre rompe tanto com feição reformista da ação política quanto com o enquadramento econômico do espaço urbano (como mero resultado da produção capitalista) e propõe a autonomização do urbano, o qual seria construído de forma relacional e dinâmica através da criação e recriação dos indivíduos. Assim, Lefebvre propõe um novo contrato social que resgata o potencial revolucionário da luta por direitos vinculada à autogestão (Purcell, 2014).
Os militantes do MPL adotam categorias marxistas tal como valor de uso e valor de troca, acumulação e fetichismo para fundamentar sua visão sobre a segregação espacial nas cidades brasileiras. Entretanto, ultrapassam a dimensão legal do direito segundo a democracia liberal na medida em que não limitam a sua ação política à reivindicação do aspecto provedor do Estado, nem baseiam exclusivamente seu repertório de ações coletivas na relação com as instituições representativas. Desse modo, o MPL concilia a perspectiva revolucionária lefebvriana com a ideia de que a contradição no planejamento das cidades brasileiras não se baseia em antagonismos de classe, mas no conflito entre sociedade civil e Estado – tal como na leitura dos intelectuais da USP. Sob outro aspecto, o MPL compartilha com os intelectuais do IPPUR a perspectiva de que o modelo de parceria entre capital privado e Estado firmado através do conceito de Cidade Empresa cria obstáculos à concretização da utopia lefebvriana na medida em que distancia a população dos processos deliberativos sobre o planejamento urbano.
Notas de fim
[1] URL: https://saopaulo.mpl.org.br/apresentacao/carta-de-principios/ Acessado em 03/02/2020.
[2] Na concepção de Charles Tilly, em From Mobilization to Revolution (1978), o repertório de ações coletivas corresponderia a um conjunto de modos familiarizados de apresentação de demandas a uma determinada forma de poder político instituído dentro de um determinado processo histórico.
[3] A noção de Direito à Cidade defendida pelos militantes do MPL parte do pressuposto de que a cidade tanto na fase industrial quanto na fase pós industrial do capitalismo é a materialização dos antagonismos entre segmentos sociais e estabelece uma segregação espacial causada pela reprodução da acumulação do capital no espaço urbano. Nesse sentido, para o MPL, lutar pelo Direito à Cidade presume o rompimento da subjugação da cidade à lógica do capital e a transformação desta em um espaço em permanente reinvenção a partir das dinâmicas de interação de seus indivíduos constitutivos, os quais são igualmente recriados a partir da própria interação neste mesmo espaço. Desse modo, lutar pelo Direito à Cidade incorre na transformação da ordem vigente em que tal luta é planejada.
[4] Nosso objetivo não é trazer uma análise profunda do conceito lefebvriano de direito à cidade face ao tempo em que foi produzido, mas interpretar a leitura do MPL sobre esse conceito e como o movimento orienta suas ações políticas a partir da sua perspectiva particular.
[5] O conceito de “marginalidade urbana”, empregado por Castells e cunhado por Aníbal Quijano, se refere a uma nova forma de segregação da população marginalizada pelo conjunto do corpo social latino-americano. Este conceito foi difundido para a comunidade acadêmica através da revista francesa Espaces et Societés, em 1971, mencionado no artigo “La formación de un universo marginal em las ciudades de América Latina”.
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Pour citer cet article
Humberto Machado Lima Junior, "O Movimento Passe Livre e a Crítica Marxista ao Planejamento das Cidades Brasileiras.", RITA [en ligne], n°13 : novembre 2020, mis en ligne le 10 novembre 2020. Disponible en ligne: http://revue-rita.com/dossier-13/o-movimento-passe-livre-e-a-critica-marxista-ao-planejamento-das-cidades-brasileiras-humberto-machado-lima-junior.html