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À escuta da cidade: Pixinguinha e a paisagem sonora carioca da Primeira República.

O artigo investiga a maneira singular como um músico popular – o instrumentista, compositor, arranjador e maestro Alfredo Viana da Rocha Filho (1897-1973), mais conhecido como Pixinguinha – percebeu as transformações ocorridas no Rio de Janeiro da Primeira República (1889-1930)...

... Atento às transformações em curso na paisagem sonora da cidade e atraído pela possibilidade de atuar no recente nicho profissional aberto pelo mercado do entretenimento, ele inovou, ao lado de outros músicos seus contemporâneos, a linguagem musical popular, incorporando a suas práticas musicais novas sonoridades, oriundas do contexto urbano, da música popular estrangeira divulgada em discos e partituras e da rítmica de origem africana presente nos rituais religiosos afro-brasileiros praticados no Rio de Janeiro. Da reinterpretação de temas folclóricos brasileiros à incorporação de sonoridades oriundas do jazz, Pixinguinha soube se valer como poucos das transformações ocorridas na cidade. Por meio da análise de gravações da época, pretendemos escutar sua escuta, de modo a compreender as inter-relações entre o contexto urbano e produção musical da época.

Palavras-chave: Pixinguinha; Música popular; Paisagem sonora; Escuta; Rio de Janeiro.

 

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Virgínia de Almeida Bessa

Orientador: Prof. Dr. José Geraldo Vinci de Moraes
Doutoranda, História Social
USP, FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas)

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À escuta da cidade:

Pixinguinha e a paisagem sonora carioca
da Primeira República

 

 

 

Introduction

 

         O Rio de Janeiro da Primeira República (1889-1930) vivenciou uma série de transformações em sua paisagem sonora[1], decorrentes da ampliação e diversificação das atividades urbanas, do crescimento demográfico[2] e do surgimento de novas tecnologias de reprodução do som. Além do rumor das fábricas, do bulício humano das ruas e do ruído dos primitivos automóveis e meios públicos de transporte, vieram se somar à sonoridade urbana carioca os registros fonográficos[3] – reproduzidos nas ruas, nos lares e nas casas de diversão – e as primeiras transmissões de rádio, feitas por meio de alto-falantes instalados em locais públicos[4].

Essas transformações acústico-musicais foram acompanhadas pelo remanejamento do espaço urbano impulsionado pelas reformas empreendidas pelo prefeito Pereira Passos na primeira década do século, que tiveram como modelo as metrópoles européias, especialmente Paris[5]. Além de embelezar a cidade, reordenar o uso social do território – expulsando as camadas mais pobres da população para os bairros periféricos – e programar uma política sanitária, a remodelação urbana tinha por objetivo transformar a capital federal no grande centro de diversões do país. A abertura da Avenida Central (futura Avenida Rio Branco), onde se concentrariam os principais teatros e cinemas do Rio de Janeiro, foi um passo decisivo para o estabelecimento da cidade-espetáculo. Ao mesmo tempo, como parte do programa de higienização da capital federal, assistiu-se à “condenação dos hábitos e costumes ligados pela memória à sociedade tradicional” e à “negação de todo e qualquer elemento de cultura popular que pudesse macular a imagem civilizada da sociedade dominante[6]. Nesse processo, o músico de rua, normalmente associado à vadiagem, passou a ser condenado,e a cultura espontânea das ruas foi pouco a pouco substituída pelo entretenimento pago. Assim, aos bailes de teatro, cafés-cantantes, cafés-concerto, circos e casas de chope existentes na cidade desde a segunda metade do século XIX, vieram se somar o cinematógrafo, os espetáculos de variedades e os teatros populares.

O desenvolvimento e a proliferação de diversas modalidades de entretenimento pago, por sua vez, abriram novos espaços de inserção profissional para os indivíduos provenientes das camadas menos favorecidas da população, em sua maioria negros e mulatos que, desde o último quartel do século XIX, em consonância com o projeto civilizatório[7] levado a cabo pelas elites, vinham sendo preteridos pelo imigrante europeu no mercado de trabalho. Os músicos populares foram os que melhor souberam se valer dessa nova realidade. Atentos às transformações em curso na paisagem sonora e atraídos pela possibilidade de atuar no recente nicho profissional aberto pelo mercado do entretenimento, eles inovaram a linguagem musical, incorporando a suas práticas tradicionais novas sonoridades, oriundas do contexto urbano, da música popular estrangeira divulgada em discos e partituras e da rítmica de origem africana presente nos rituais religiosos afro-brasileiros praticados no Rio de Janeiro.

Este artigo investiga a maneira singular como um desses músicos populares – o instrumentista, compositor, orquestrador e maestro Alfredo Vianna da Rocha Filho, mais conhecido como Pixinguinha – escutou, traduziu e ajudou a construir o universo sonoro em que esteve inserido. Da reinterpretação de temas folclóricos brasileiros à incorporação de sonoridades oriundas do jazz, Pixinguinha soube se valer como poucos das transformações ocorridas no Rio de Janeiro do início do século. Por meio da análise de gravações da época, pretendemos “escutar sua escuta”[8], de modo a compreender as inter-relações entre o contexto urbano e produção musical da época.

 

I. Música para dançar: os biombos culturais (devassáveis) da cidade

          Dentre as múltiplas sonoridades que integravam a paisagem sonora carioca na virada do século XIX para o XX, os gêneros de música para dança eram os mais amplamente difundidos, circulando entre os diversos segmentos sociais nos diferentes espaços da cidade. Importados da Europa e de outros países da América desde meados do século XIX, valsas, quadrilhas, polcas, mazurcas, tangos, habaneras e schottisches marcavam presença tanto nos aristocráticos salões e teatros do Rio de Janeiro, executados por pianistas ou pequenas orquestras, como nos espaços populares de divertimento, nas ruas e nas festas de família, tocadas por rodas de choro[9], bandas de música ou pianeiros, como eram pejorativamente chamados “os músicos de pouca formação musical e muito balanço”[10]. Com efeito, no início da Primeira República, em especial na capital federal, esses gêneros dançantes exerceriam a função de medium cultural[11], constituindo-se no estilo de música que, dadas as variantes determinadas pelo conjunto instrumental executante e pelo tipo de dança que a acompanhava, perpassava todas as classes sociais.

Nos bairros chics, abastadas famílias cariocas freqüentavam os clubes e salões em que tais gêneros, à moda européia, eram executados e bailados de acordo com rígidas normas de etiqueta. Para tanto, consumiam manuais contendo regras e técnicas de como se dançar “desde quadrilha francesa, passando pela valsa, polca e mazurca, até estilos mais sofisticados, como a varsoviana e a habanera”[12]. Em outros pontos da cidade, em especial na Cidade Nova (bairro conhecido como pequena África[13], por concentrar as populações negras e mulatas do Rio de Janeiro), as mesmas danças eram consumidas nas festas domésticas, mas em contextos muito diversos dos anteriores. É o que revela o cronista Alexandre Gonçalves Pinto, mais conhecido como Animal. Em seu livro de memórias, publicado em 1936, ele descreve a diferença entre a quadrilha dançada nos salões aristocráticos e a “desengonçada” nas gafieiras, como eram chamados os bailes populares:

"Havia uma grande differença na “quadrilha” dansada num rico salão de Botafogo e Tijuca e da que era desengonçada na Cidade Nova e Jacarépaguá. Os ricos, mettidos na sua casaca, sobre-casaca, do fraque [sic] e as damas de vestidos decotados e com grandes caudas, observavam rigorosamente a pronuncia franceza e a orchestra só parava quando o “marcante” dava o signal. Na roda do povo de “bongala-fumenga”, o pessoal se apresentava como podia e os que melhor trajavam ostentava a calça de bocca de sino, ou á bombacha e as damas que se apresentavam com os vestidos de merinó, eram consideradas de “élite”, porque a maioria pegava mesmo o seu vestidinho de chita. A marcação era “gosada”, porque sendo feita num “francez-macarronico”, tinha uns enxertos, conforme a festidade do marcante. No “caminho da roça”, por exemplo, davam-se passagens de rir a bom rir, porque muitas vezes, percorria-se toda a casa, sahindo pela cosinha para entrar novamente pela sala de visitas. Ahi o marcante bradava: Aos “seus logares”!Era a hora do “fuzuê”... Todos se atrapalhavam correndo daqui para acolá e cada cavalheiro era obrigado a figurar com a sua primitiva dama![14]

O trecho revela com riqueza de imagens a maneira como os códigos de etiqueta das elites eram apropriados pelas classes populares, que logo transformavam o rigor em diversão, o que se nota pelo caráter lúdico da dança. A mesma espécie de apropriação e re-significação observada no “desengonçar” da quadrilha ocorria também com a polca: dançada “arrastando os pés e dando às cadeiras um certo movimento de fado”[15], em nada se parecia com a dança homônima bailada nos salões aristocráticos do Rio de Janeiro.

Às subversões coreográficas dessas danças correspondiam, obviamente, modificações no âmbito de sua execução musical. Afinal, nada mais natural que os instrumentistas da roda de choro, ao tocar esse tipo de música, incorporassem elementos rítmicos de origem africana praticados nos quintais daquelas mesmas residências. Com efeito, de acordo com depoimentos de músicos da época[16], era comum as festas domésticas da Cidade Nova agregarem, nos diversos espaços da habitação, diferentes manifestações musicais. Era o que acontecia na casa da Tia Ciata, ponto de encontro da comunidade negro-baiana do Rio de Janeiro: na sala de visitas, ocorria o baile, em que eram executados gêneros de dança europeus; já na parte dos fundos, praticava-se o samba de partido-alto (produção coletiva de música para dança) e, no terreiro, a batucada (ou capoeira), separados da sala de visitas por meio de “biombos culturais”[17], como sugeriu Muniz Sodré em estudo clássico sobre o tema. Tomada como metáfora, a separação interna da residência onde se realizavam tais festas reproduzia a própria hierarquização espacial da capital federal. Por outro lado, o “sutil devassamento”[18] desses biombos, representativo do processo de interpenetração de culturas no Rio de Janeiro do início do século, promoveu a fusão entre os gêneros dançantes europeus (ouvidos na sala de visitas) e a rítmica de origem africana (produzida na parte dos fundos e no terreiro), dando origem às danças sincopadas brasileiras, como o maxixe e o samba[19].

 

Foi nesse ambiente, marcado a um só tempo pela rígida distinção socioespacial e por intensa permeabilidade cultural, que Pixinguinha cresceu e desenvolveu sua escuta. Nascido em 23 de abril de 1897, no Rio de Janeiro, o músico pertencia à baixa classe média carioca, circulando num meio em que a música desempenhava um importante papel aglutinador. Seu pai, Alfredo Vianna da Rocha, trabalhava na usina de eletricidade da repartição geral dos telégrafos, e nas horas vagas era flautista amador. Fazia parte de um grupo de pequenos burocratas e funcionários de serviços públicos que, na virada do século XIX para o XX, divulgou e sistematizou a linguagem do choro – termo que, nesse primeiro momento, designava um modo de execuçãode gêneros dançantes, tocados em festas de caráter comunitário (casamentos, batizados, aniversários, funerais) ou mesmo familiar[20]. O contato de Pixinguinha com a linguagem musical urbana iniciou-se, pois, no ambiente doméstico. Aos 11 anos de idade, tocando cavaquinho (que logo trocaria pela flauta), o músico já acompanhava o pai nos choros das festas de família. Nessa época, morava com a numerosa família (era o décimo segundo de quatorze irmãos) no bairro do Catumbi, num casarão de oito quartos, quatro salas, um enorme quintal e um quarto nos fundos, cujos cômodos eram alugados para terceiros. O local, conhecido como Pensão Vianna, abrigava rodas de choro nas quais se reuniam grandes instrumentistas da época, tais como Irineu de Almeida, Cândido Trombone, Viriato Ferreira, Neco, Quincas Laranjeiras. Segundo depoimento de Pixinguinha, o jovem Villa-Lobos, tocador de violão, também era freqüentador da casa. Tratava-se, portanto, de um ambiente com intensas trocas culturais.

Música para vender: “um bocadinho de cada coisa”

 

          Se a estréia de Pixinguinha como intérprete se deu nos espaços privados e informais de divertimento, sua entrada no nascente mercado do entretenimento não tardou a ocorrer. Em 1911, ainda menino, integrou o grupo Choro Carioca, gravando uma série de discos para a Casa Edson do Rio de Janeiro. A partir de então, o flautista encontraria no mercado fonográfico um importante (embora pouco rentável[21]) ramo de atuação, tendo realizado, até 1927, 35 gravações, todas por meios mecânicos. Nelas é possível identificar alguns dos elementos que revelam sua escuta da cidade – entendida não apenas como ambiente sonoro, mas também como espaço de construção de discursos e de práticas sociais. É o caso de “Urubu” (exemplo musical 1) samba sobre motivo popular gravado em 1923 pelos Oito Batutas, grupo musical do qual Pixinguinha tomava parte como flautista e saxofonista[22]. A própria trajetória do conjunto é representativa da escuta dos músicos populares, merecendo, pois, ser observada com mais atenção.

Criada em abril de 1919 para tocar na sala de espera Cine Palais, localizado na Avenida Rio Branco, a trupe dos Oito Batutas se auto-intitulava orquestra típica, compondo seu repertório com gêneros identificados como autenticamente brasileiros, conforme ditava a moda da época. Vale lembrar que o início do século XX no Brasil foi marcado pela disseminação daquilo que José Ramos Tinhorão denominou o “gosto pelo exótico nacional”[23], que pôs em moda o folclore e trouxe novos atores para o proscênio do mundo do entretenimento. De fato, a partir da década de 1910, valsas, mazurcas e cançonetas francesas conviveriam lado a lado, no Rio de Janeiro, com toadas, emboladas, canções sertanejas e outros gêneros regionais brasileiros. Percebendo o crescente interesse por esses gêneros musicais, os Batutas logo trataram de incluí-la em seu repertório. Durante três anos, exibindo-se no Rio de Janeiro, em São Paulo e em diversas outras cidades e capitais do país, do sudeste ao nordeste, eles se apresentaram como “a fina flor dos músicos sertanejos”[24], depositários de uma tradição que vinha se perdendo com o processo de urbanização e modernização das cidades brasileiras, e portadores de um bem altamente cotado nesse novo mercado: a musicalidade popular, caracterizada como genuinamente brasileira e bastante valorizada num momento de defesa “pelo que é nosso”[25].

Em 1923, contudo, após uma turnê pela França[26], onde entraram em contato com o efervescente mundo do jazz, os Oito Batutas inseriram shimmys e fox-trots em seu repertório, e de orquestra típica passaram a se denominar jazz band. Foi nessa viagem, aliás, que Pixinguinha entrou em contato o saxofone e com o repertório a ele associado. Tal maleabilidade para se adequar tanto às novidades do mercado como aos repertórios vinculados ao passado (que, muitas vezes, não passavam de recriações recentíssimas[27]) insiste em aparecer na bibliografia tradicional como um paradoxo: como entender que os mesmos intérpretes de gêneros tão brasileiros cedessem ao modismo da música estrangeira, tocando e compondo música de jazz? Ao relembrar essa passagem de sua biografia, Pixinguinha afirmou que “só tocava [shimmy] comercialmente. A gente ia aos bailes e só tocava o que era nosso. Uma vez ou outra é que tocávamos um foxtrotezinho só para variar, porque, comercialmente, nós tínhamos que tocar um bocadinho de cada coisa”[28]

O fato é que a exploração dos gêneros yankees, tanto quanto da música considerada genuinamente brasileira, tinha caráter comercial, e visava à inserção dos músicos num mercado de trabalho ainda pouco explorado pelos profissionais de classe média e que vivia da sede de novidade de um público bastante heterogêneo. Tocar “um bocadinho de cada coisa” configurava-se, pois, numa estratégia de sobrevivência, ao mesmo tempo em que revelava a escuta aberta dos músicos, que, atentos às sonoridades que circulavam pelas cidades, incorporavam-nas às suas interpretações e performances. É o que se pode notar no já citado samba “Urubu”. Trata-se de uma longa variação sobre um tema de origem folclórica executada na flauta com grande virtuosismo por Pixinguinha, numa repetição incansável de arpejos, escalas e notas rebatidas em andamento aceleradíssimo e com constante alternância entre as regiões grave e aguda do instrumento. A peça também se caracteriza pelo uso em profusão de ruídos, tais como a distorção da afinação de uma mesma nota, que evoca o apito de um trem, e os trilos realizados pelo flautista, que mimetizam o chilrear de pássaros (dois elementos coexistentes e contrastantes da paisagem sonora da cidade), bem como uma liberdade rítmica que muitas vezes desrespeitava a métrica do compasso. Assim, à música de caráter folclórico, recriada pelo flautista num ambiente que incorporava o improviso das rodas de choro, vêm se somar elementos sonoros do ambiente urbano e da prática da música de jazz. Esse procedimento criativo ficará ainda mais evidente em suas composições, como veremos a seguir.

Na mesma época em que iniciava sua atuação no mercado fonográfico, o jovem flautista passou a atuar profissionalmente nas casas de chope da Lapa e “em tudo o que era cabaré”[29]. Lá o público não era formado por membros da sociedade, e sim por malandros, desocupados, leões-de-chácara, “essa coisa toda”[30]. O fato não é de se estranhar, já que os espaços de divertimento pago vinham substituindo a diversão das ruas, que muitas vezes era alvo de perseguição policial. O que chama a atenção no depoimento de Pixinguinha, contrariando o que acontecia na maioria dos clubes e cafés, é o fato de os números musicais apresentados nesses estabelecimentos não serem para dançar, embora se baseassem em gêneros de baile: “eu só tocava na hora dos artistas se apresentarem; não tinha dança”[31]. Isso revela um traço essencial da música executada pelo jovem flautista: seu caráter não-utilitário, ou, como diria Mário de Andrade, “desinteressado”[32].

 

Música para ouvir: mistura de tradições

          Sobre esse aspecto vale a pena ressaltar uma característica fundamental daquela nova música popular que vinha sendo executada pelos grupos de choro e difundida por meio do disco e da partitura nas primeiras décadas do século XX: embora muitas das canções e gêneros instrumentais preservassem ainda sua função coreográfica, servindo de acompanhamento rítmico para as danças, boa parte deles ia cedendo espaço ao puro deleite estético – até então, exclusivo da música de concerto. Em parte, essa característica já vinha se manifestando nas próprias rodas de choro. É o que descreve Animal em diferentes passagens de seu livro, nas quais revela que a habilidade técnica dos instrumentistas na execução de músicas dançantes despertava, muitas vezes, mais interesse do que o próprio baile – sem, contudo, suplantá-lo. Esse caráter desinteressado foi reforçado com a entrada da música popular nos espaços de divertimento público (cafés, teatros, cinemas) e, principalmente, com o surgimento dos primeiros registros sonoros. Pouco a pouco, a música de tradição popular transformava-se em música para ouvir, demandando (ou permitindo) uma escuta atenta.

Encontra-se aí uma das primeiras manifestações na tradição popular brasileira daquilo que o musicólogo e crítico argentino Diego Fischerman denominou “efeito Beethoven”[33], um fenômeno comum a praticamente todas as culturas urbanas do mundo ocidental nas primeiras décadas do século XX: a contaminação da música de tradição popular por um determinado tipo de escuta e de valoração estética oriundos da chamada música culta. Esta se caracterizaria pela busca da abstração, pelo cultivo da música pura, desvinculada tanto da palavra (texto poético) como do corpo (dança/ritual), e que, embora remonte suas origens ao Renascimento, teria se cristalizado em torno da figura de Beethoven, no século XIX. A partir da apropriação dos meios de comunicação de massa, no século seguinte, essa tradição culta teria “alcançado e transformado boa parte das músicas e músicos de tradições populares”[34]. Desta fusão, originada nas cidades, teria se originado uma espécie híbrida, a meio caminho entre a chamada música folclórica (em geral identificada à produção cultural rural) e a erudita.

 

O surgimento das diversas tecnologias de reprodução sonora (pianola, gramofone, fonógrafo), aliado ao crescimento do mercado do espetáculo, desempenhou um papel fundamental nessa mudança, criando situações absolutamente novas: “por um lado, o popular saiu do contexto popular (do povo). A música de uma festa podia ser escutada fora dessa festa; a música de baile começou a soar dentro das casas”[35]. Por outro, isso implicou mudanças formais na própria música. Afinal, “compor uma canção de ninar para fazer alguém dormir não é o mesmo que para ser gravada em um disco, cantada em um concerto e escutada por gente bem acordada”[36]. Assim, mais do que um veículo de propagação, o disco (e, posteriormente, o rádio) atuaria diretamente no âmbito da produção, promovendo mudanças irreversíveis no fazer musical, e da recepção, ao proporcionar um novo tipo de escuta.

Essa mudança na funcionalidade da música popular, que teria como principal representante o jazz norte-americano, pôde ser observada também no Brasil, onde gêneros mestiços, aproveitados pelo nascente mercado do entretenimento público (das revistas teatrais à indústria fonográfica), assimilaram códigos eruditos de composição (linguagem), de interpretação (performance e técnica) e de recepção (escuta desinteressada). O compositor e pianista Ernesto Nazareth, ao lado de Chiquinha Gonzaga – ambos considerados os principais sistematizadores da música popular urbana brasileira –, foi um dos primeiros grandes representantes dessa fusão. De fato, Nazareth transformou em música para ouvir um vasto repertório de polcas e maxixes (que ele denominava tangos brasileiros), sendo apontado por muitos críticos e musicólogos como uma ponte entre a música de tradição popular e a erudita – vale lembrar que o compositor era também um virtuoso intérprete de Chopin.

Muitos autores apontam que Pixinguinha, assim como Nazareth, teria realizado uma síntese entre erudito e popular (ou entre música para ouvir e música para dançar). Mas, ao contrário do pianista, Pixinguinha não dominava a linguagem musical culta nem aspirava ser reconhecido como músico de concerto. O que o diferenciava no círculo dos demais compositores populares e chorões era sua escuta singular, que incorporava intuitivamente e de maneira única elementos oriundos de diferentes tradições. Uma das composições mais características e conhecidas de Pixinguinha é o choro “Um a zero” (exemplo musical 2) além de dialogar com diferentes elementos da paisagem sonora carioca, reúne diversos atributos da música para ouvir. A começar pelo caráter virtuosístico, imprimido por grandes saltos intervalares, andamento acelerado e predominância na região aguda. Considerado dificílimo por grande parte dos músicos populares da época, ou mesmo de hoje, “Um a Zero” foi durante muitos anos executado apenas pelo compositor, sendo que sua primeira gravação em disco só foi realizada em 1946 pelo flautista Benedito Lacerda[37], com Pixinguinha ao saxofone, num andamento mais lento do que aquele usualmente praticado pelos intérpretes atuais.

 

Composta em maio de 1919, a peça foi inspirada num acontecimento esportivo: uma partida de futebol entre Brasil e Uruguai, disputada no estádio do Fluminense, cuja vitória garantiu à seleção brasileira, pela primeira vez na história, a conquista do campeonato sul-americano. O placar do jogo, que deu título ao choro, também inspirou outros compositores, como J. Brasilesco (que compôs um one-step homônimo do choro de Pixinguinha), Eduardo Souto (que fez uma marcha de caráter patriótico intitulada “Sul-americano”) e Luís Nunes Sampaio (autor de “Gol brasileiro”)[38]. Era comum, nessa época, que as composições populares comentassem fatos da vida política ou cotidiana. O título do primeiro choro de Pixinguinha, “Lata de leite”, composto quando ele era ainda um garoto de 11 ou 12 anos de idade, fazia referência a uma prática comum entre os músicos populares:
"Naquela época, quando a gente voltava dos bailes, de manhã, os leiteiros estavam entregando leite e deixavam aqueles vasilhames nos portões das casas. Meus companheiros iam lá e pegavam o leite, bebiam e deixavam a lata vazia. Não era eu, não. Eu não era santo, mas, bem pequeno ainda, não fazia isso. Foi por isso que dei o nome da música de Lata de leite, meu primeiro choro"[39].

Muitas vezes, os títulos das composições dialogavam entre si, num divertido (e às vezes bizarro) sistema de pergunta e resposta. É o caso do disco Odeon 122.100, que apresenta o samba Eu também vou, gravado em 1921 pelo “Grupo do Pixinguinha”. Trata-se de uma resposta ao samba Domingo eu vou lá, executado pelo mesmo grupo no disco Odeon 122.101. Da mesma forma, um dos primeiros grandes sucessos de Pixinguinha, o samba carnavalesco Já te digo, de 1919, era uma resposta ao samba de Sinhô, Quem são eles?, composto no carnaval anterior.

Na maioria das vezes, contudo, tais referências (a eventos, pessoas ou outras composições) restringiam-se ao título da composição (ou, no caso das canções, à letra), não havendo qualquer relação entre o conteúdo musical propriamente dito e o episódio evocado. Pois bem, a diferença de “Um a Zero”em relação às demais composições feitas sobre o mesmo evento reside justamente nesse descritivismo sonoro que, longe de simplesmente evocar a ambiência de uma partida de futebol, incorpora um som da paisagem, mimetizando-o e transformando-o em uma célula motívica sobre a qual se articula todo seu discurso musical. Conta-se que Pixinguinha, presente no estádio em que se realizou a histórica partida, teve sua atenção desviada por uma gaitinha que, no momento do gol, disparou a tocar um motivo descendente de duas notas num intervalo de segunda maior (lá-sol), bastante peculiar. Para mimetizar o caráter ruidoso do som emitido pelo torcedor, Pixinguinha introduz uma espécie de bordadura na primeira nota, que quando realizada em grande velocidade pelo flautista produz um efeito ruidoso:
 

Figura 1 – célula motívica de Um a zero
 
Essa mesma célula motívica (o intervalo descendente de um tom) reaparecerá, ainda que de maneira camuflada, em todas as demais seções da peça. Seguem, abaixo, alguns exemplos onde o motivo reaparece, destacado em vermelho:
 
Figura 2 – Reaparecimento do motivo na seção A.
 

Figura 3 – Reaparecimento do motivo na seção B.

 

Figura 4 – Reaparecimento do motivo na seção C

 

Impossível saber se tal concentração motívica teve origem, de fato, na figura que imita o som da gaitinha do torcedor. Mais difícil ainda é saber se foi realizado deliberadamente pelo compositor ou se, ao contrário, trata-se de um procedimento intuitivo (o que nos parece mais provável). O fato é que tal elemento confere unidade à obra, que se configura como uma seqüência de variações sobre um mesmo motivo. O recurso da variação, bastante usual na performance dos chorões, era, aliás, prática que Pixinguinha dominava com maestria, como pudemos constatar na já citada gravação de “Urubu”.

Outro aspecto que mais chama atenção em “Um a zero” é sua grande variedade rítmica. Embora a figura predominante nesse choro seja o grupo simples de quatro semicolcheias, este apresenta diversas variantes ao longo da peça, seja pela introdução de pausas, ligaduras ou notas pontuadas no interior da figura, seja pelo deslocamento do acento rítmico. Em algumas passagens, a própria inflexão melódica implica alterações no ritmo, originando figuras rítmicas contramétricas conhecidas como síncopas. Observe-se que as notas que compõem a célula motívica nas seções B e C (em vermelho das figuras 3 e 4) formam uma figura rítmica formada por duas semicolcheias separadas por uma pausa de colcheia (  ), fórmula totalmente intercambiável pela figura formada por uma colcheia pontuada mais uma semicolcheia, ( ) ritmo presente em diferentes gêneros de dança de salão, tais como a mazurca, a polca e a habanera.

Diferente do que ocorria usualmente nas composições da época, as figuras contramétricas utilizadas por Pixinguinha não se restringem às células rítmicas sincopadas das danças de salão. O que se nota em suas composições, especialmente em “Um a zero”, é a quebra constante da regularidade métrica – daí o caráter anticoreográfico da peça, que, além de ser executada num andamento bastante rápido, não fornece uma batida constante sobre a qual os pares possam orientar seu movimento. As síncopas utilizadas nessa composição são de três tipos: a) as que aparecem no interior do pulso – o qual, em vez de ser dividido em unidades simétricas, aparece articulado em valores irregulares; b) as que ocorrem entre um pulso e outro, dentro de um mesmo compasso, resultantes do prolongamento do valor de uma nota para a cabeça do tempo seguinte (em geral um tempo fraco); c) as que resultam do prolongamento do valor de uma nota na barra de compasso, omitindo o primeiro tempo (forte) do compasso seguinte (ver exemplos de a, b, c, e, na figura 5). Nos dois últimos casos, os tempos aparecem deslocados em relação à pulsação regular, provocando uma sensação de “descompasso”

 
Figura 5 – exemplos de síncopas em Um a zero.
 
Outra variação rítmica utilizada pelo compositor são os deslocamentos dos acentos. A primeira aparição desse recurso se dá na famosa passagem da “gaitinha”. Não bastasse o caráter ruidoso desse pequeno motivo melódico, que expressa a alegria do torcedor (alguns intérpretes costumam comemorar o gol nessa passagem, levantando-se de seus assentos), ele é realizado em ritmo cruzado – ou seja, deslocado em relação ao pulso do compasso. A nota lá, que nas performances dos chorões é sempre acentuada, ora cai no segundo tempo do compasso (a), ora no contratempo (b), ora na cabeça do compasso (c), figura rítmica conhecida como hemíola (figura 6).
 
Figura 6 – deslocamento do acento rítmico na seção A.
 
O recurso é também utilizado em diferentes momentos da seção B: a mesma figura é executada diversas vezes, iniciando-se, a cada repetição, num tempo diferente do compasso, que é acentuado na execução. A repetição do mesmo fragmento melódico em ritmos deslocados parece evocar a imagem do drible no futebol, quando o jogador atrasa ou adianta o movimento previsto pelo adversário:
 
Figura 7 – deslocamentos do acento rítmico na seção B.
 

Muitos autores atribuem a riqueza rítmica das composições de Pixinguinha, como esta de “Um a zero”, à sua vivência nos terreiros da Pequena África. Com efeito, o flautista era tocador de atabaque nos rituais afro-religiosos da casa da Tia Ciata, e foi uma das principais fontes utilizadas pelo escritor e musicólogo brasileiro Mário de Andrade para a composição do capítulo “Macumba” do romance Macunaíma[40]. Num encontro com o flautista, realizado em São Paulo no ano de 1926, Mário de Andrade passou longo tempo colhendo informações sobre os batuques do candomblé. Suas anotações, sete páginas manuscritas a lápis, foram publicadas nas obras completas do escritor. A seguinte passagem parece-nos significativa:

"Muitas vezes os instrumentistas, mesmo o ogan (tocador de atabaque, posto importante) pelejam para acompanhar direito esses cantos estranhos, muitas vezes improvisações duma variedade rítmica tão infinita e sutil que não tem compasso possível pra elas. “Seria preciso muitos compassos diferentes para anotar esses cantos” me contou meu informador [Pixinguinha]. E essa maneira inculta de dizer que esses cantos são por vezes de ritmo livre é absolutamente fidedigna, pois quem me informa sabe música brasileira a fundo, é turuna nos nossos ritmos populares"[41].

Com base nessas informações, poderíamos inferir que os recursos rítmicos utilizados em “Um a zero” sejam oriundos da rítmica de origem africana, plena de polirritmias, muitas vezes intransponíveis para a escrita em partitura em função da divisão em compassos. Tais conjecturas, contudo, exigiriam um outro tipo de abordagem, de cunho etnomusicológico, que foge ao escopo desse trabalho. O fato é que os tais deslocamentos rítmicos, atualmente bastante recorrentes nas composições e interpretações de choro, só começaram a ser utilizados, sistematicamente, com Pixinguinha. E mais: mesmo quando não eram escritos, apareciam na interpretação do flautista, o que leva a crer que se trata de uma transposição, para a partitura, de um gesto interpretativo.

No tocante à estrutura formal, a peça foi composta na forma rondó (AABACCA), bastante comum nos choros da época e caracterizada pela alternância entre uma seção fixa (A, em dó maior) e outras variadas (B, em sol maior, e C, em fá maior), conforme se nota na partitura . Ao contrário das seções A e C, que possuem 16 compassos repetidos na íntegra, a seção B de “Um a zero” possui 32 compassos e não apresenta sinal de repetição. Não é difícil compreender essa diferença: em vez de repetir os 16 primeiros compassos da seção B (17 a 32, ou subseção B’), Pixinguinha optou por introduzir, nos compassos 33 a 48 (subseção B’’) uma variação melódica sobre a mesma estrutura harmônica de B’. Aqui, o compositor mimetiza um gesto improvisatório oriundo das rodas de choro, quando os participantes criavam uma nova melodia com base na estrutura harmônica de uma melodia previamente conhecida. Esse tipo de variação improvisada é base para gêneros, entre outros, como o blues e o jazz.

Em suma, Pixinguinha concentra na linha melódica de sua composição elementos oriundos de diferentes tradições. Dos gêneros dançantes, herda a forma e a harmonia; dos rituais africanos, apropria-se da rítmica; das rodas de choro, incorpora o virtuosismo e o gesto improvisatório.

 

Coda

          A escuta aberta de Pixinguinha, que tentamos escutar por meio de suas interpretações, composições e arranjos, foi moldada, de um lado, pelo intenso fluxo de culturas que caracterizava o Rio de Janeiro do início do século XX, potencializado e redirecionado pela nascente indústria do entretenimento e, de outro, pela necessidade de inserção social dos músicos populares, boa parte deles negros e mulatos, que tinham nos locais de divertimento público um novo espaço de trabalho. Atentos às transformações por que passava a sociedade carioca, compositores e intérpretes funcionavam como “antenas” que souberam “captar os signos modernizantes da cidade”[42], incorporando gêneros, dicções, ruídos e gestos coreográficos a suas composições e performances, logo transformadas em mercadorias.


 

Notas de pie de pagina

[1] O termo (soudscape) foi cunhado pelo músico canadense Murray Schafer para designar “qualquer porção do ambiente sonoro visto como um campo de estudos”. (SCHAFER, Murray, A afinação do mundo, São Paulo, Ed. UNESP, 2001, p. 366) Aqui, ele é entendido como o ambiente acústico geral de uma sociedade.

[2] A população carioca, que era de 522.651 habitantes em 1890, passou para 691.565 em 1900 e 1.157.873 em 1920 (SEVCENKO, Nicolau, Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República, São Paulo, Brasiliense, 1983, p. 47-8).

[3] Os primeiros registros fonográficos gravados no Brasil com finalidade comercial datam de 1902, produzidos pela Casa Edison do Rio de Janeiro (FRANCESCHI, Humberto, A casa Edison e seu tempo, Rio de Janeiro, Petrobrás/ Sarapuí/ Biscoito Fino, 2002).

[4] As primeiras transmissões radiofônicas brasileiras ocorreram em 1922, no Rio de Janeiro, durante as comemorações do centenário da independência. No ano seguinte, fundou-se a primeira estação radiofônica do país, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, por iniciativa de Henrique Moritze e Roquette-Pinto. A consolidação do rádio como veículo de comunicação, contudo, só se efetivaria no final da década de 1920.

[5] BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical: a renovação urbana do Rio de Janeiro no início do século XX, Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1992.

[6] SEVCENKO, Nicolau (1983), op. cit., p. 30.

[7] SCHWARCZ, Lilia Moritz, O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870- 1930), São Paulo, Cia das Letras, 1993.

[8] SZENDY, Peter, Écoute: une histoire de nos oreilles, Paris, Les Éditions de Minuit, 2001, p. 23.

[9] Conhecidas como pau-e-corda, em alusão aos instrumentos que o compunham (flauta, violão e cavaquinho, aos quais freqüentemente se somavam alguns metais), as rodas de choros eram conjuntos instrumentais formados para tocar música de dança.Reunindo músicos profissionais que sabiam ler partitura e diletantes que tocavam de ouvido, esses conjuntos agrupavam instrumentos “arrebanhados mais ou menos sem discriminação”, “sem intenção sinfônica nenhuma”. Com o tempo, passaram a ser compostos por “um ou dois instrumentos solistas acompanhados de outros em segundo plano meramente rítmico-harmônico”. ANDRADE, Mário de, Dicionário musical brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo, Edusp/IEB-USP, 1989, p. 136.

[10] MACHADO, Cacá, O enigma do homem célebre: ambição e vocação de Ernesto Nazareth (1863-1934), São Paulo, Instituto Moreira Salles, 2007, p. 20.

[11] Id.

[12] ARAÚJO, Rosa, A vocação do prazer: a cidade e a família no Rio de Janeiro republicano, Rio de Janeiro, Rocco, 1993, p. 336.

[13] MOURA, Roberto, Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Funarte, 1983.

[14] PINTO, Alexandre Gonçalves, O choro (ed. fac-similar de 1936), Rio de Janeiro, FUNARTE, 1978, p. 113-4. Em respeito ao caráter documental do texto, foram mantidas a ortografia e a pontuação originais.

[15] ANDRADE, Mario, “Ernesto Nazareth” (1926), in Música, doce música, São Paulo, Martins, 1963, p. 125.

[16] Cf. depoimentos de Donga (Ernesto dos Santos) e Heitor dos Prazeres ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS-RJ), em fita magnética.

[17] SODRÉ, Muniz, O samba: o dono do corpo, Rio de Janeiro, Codecri, 1979, p. 20. A metáfora dos biombos culturais já foi bastante explorada pela historiografia brasileira sobre o tema.Ver WISNIK, J. Miguel, “Getúlio da Paixão Cearense”, in SQEFF, E. e WISNIK, José Miguel, O nacional e o popular na cultura brasileira, São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 154-5.

[18] WISNIK, J. M. (1984), op. cit., p. 154.

[19] Sobre o surgimento e as transformações do maxixe e do samba cariocas, ver SANRONI, Carlos. Feitiço decente: as transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933), Rio de Janeiro, Zahar/ Ed. da UFRJ, 2001.

[20] Mais tarde, a palavra choro passa a designar também um gênero musical específico.

[21] Na primeira década do século XX, o cachê de um músico instrumentista para cada fonograma gravado girava em torno de Rs 5$000 (cinco mil-réis), que era também o preço de um disco. FRANCESCHI, H. (2002), op. cit.,CD-ROM Documentos.

[22] Além de Pixinguinha, o grupo contava com Donga (violão), China (voz, violão e piano), Raul Palmieri (violão), Nelson Alves (cavaquinho), José Alves (bandolim e ganzá), Jacó Palmieri (pandeiro) e Luís de Oliveira (bandola e reco-reco). João Pernambuco (violão) integrou o grupo em outubro 1919, durante uma turnê da trupe pelo Brasil.

[23] TINHORÃO, J. Ramos, Pequena história da música popular, São Paulo, Ed. 34, 1998, p. 33.

[24] Conforme anúncios da trupe publicados na imprensa da época. Cf. O Estado de S. Paulo de 15 de dezembro de 1919.

[25] Desde o final da década de 1910, a expressão aparece reiteradamente na imprensa carioca, referindo-se à defesa das tradições populares. Em meados da década de 1920, o jornal diário Correio da manhã, cria a seção dominical o que é nosso, onde eram citados os cultores de números sertanejos acompanhados por violões (ALMIRANTE, No tempo de Noel Rosa, São Paulo, Francisco Alves, 1977, p.43).

[26] A respeito da viagem dos batutas a Paris, ver BASTOS, Raphael J. de Menezes, “Les Batutas, 1922: uma antropologia da noite parisiense”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 20, n. 58, jun. 2005, pp. 177-213.

[27] A esse respeito, ver BESSA, Virginia de A. Um bocadinho de cada coisa: trajetória e obra de Pixinguinha. História e música popular no Brasil dos anos 20 e 30, São Paulo, FFLCH-USP (dissertação de mestrado), 2005, cap. 4.

[28] Depoimento de Pixinguinha ao MIS-RJ, 1966 (fita magnética).

[29] Id.

[30] Id.

[31] Id.

[32] ANDRADE, Mário (1989), op. cit., p. 136.

[33] FISCHERMAN, Diego, Efecto Beethoven: complejidad y valor en la música de tradición popular, Buenos Aires, Paidós, 2004.
[34] Ibid., p. 26.
[35] Ibid., p. 30.
[36] Ibid., p. 32.

[37] Para gravar esse e outros choros em disco, Lacerda exigiu figurar como co-autor das músicas. Para Pixinguinha, que na década de 1940 andava esquecido do público, a troca parecia vantajosa. Por isso, até hoje, muitos choros compostos exclusivamente pelo compositor figuram como sendo parcerias com Benedito Lacerda.

[38] CABRAL, Sérgio, Pixinguinha: vida e obra, Rio de Janeiro, Lumiar, 1997, p. 50.

[39] Depoimento de Pixinguinha ao MIS-RJ, 1966 (fita magnética).

[40] ANDRADE, Mário. Macunaíma. Um herói sem nenhum caráter. São Paulo: Oficinas gráficas de E. Cupolo, 1928.

[41] ANDRADE, Mário, Música de feitiçaria no Brasil. São Paulo, Martins Fontes, 1963, p. 163.

[42] NAVES, Santuza C., O violão azul: modernismo e música popular, Rio de Janeiro, Editora FGV, 1998, p. 160. Nessa obra, a autora compara essa percepção da cidade, expressa por certas formas musicais existentes no Rio de Janeiro, à de alguns poetas modernistas.

 

 


Referências Bibliográficas

ALMIRANTE (Henrique Fôreis Domingues), No tempo de Noel Rosa, São Paulo, Francisco Alves, 1977.
 
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Para citar este artigo:
 
Virginia de Almeida Bessa, "À escuta da cidade: Pixinguinha e a paisagem sonora carioca da Primeira República", RITA, n°1: Décembre2008, (en ligne), Mis en ligne le 10 novembre 2008. Disponible en ligne http://www.revue-rita.com/content/view/25/51