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Juventude, corpo e mobilização no videoclipe brasileiro

Este artigo propõe um estudo de representações sobre a juventude mostradas em videoclipes produzidos a partir dos anos 2000 no Brasil. Indaga-se como corpos, símbolos e gestos expressam atitudes de mobilização e trabalham pela afirmação de identidades...

...Produto da cultura de massa voltado para o público jovem, veiculado pela televisão, pela Internet, pelo telefone celular ou pelo tocador MP4, o clipe reúne canção, dança e imagem em um conjunto de representações interessantes para se observar como a juventude pode ser entendida. Por meio de símbolos e atitudes simbólicas, o clipe se aproxima do universo que retrata: reflete realidades sociais específicas ao mesmo tempo em que as reconstrói e reforça determinadas identidades. Nesse universo simbólico, o corpo ocupa espaço-chave, é pleno de cultura e, por isso, torna-se importante para o estudo de identidades juvenis e de suas afinidades transitórias. Partindo desse contexto, a pesquisa tem como objetivo analisar as imagens de jovens urbanos veiculadas em quatro videoclipes selecionados para buscar entender como atuam na construção das representações de uma parte da juventude brasileira contemporânea.

Palavras-chave: Juventude ; Videoclipe ; Identidade ; Mobilização ; Corpo.

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Denise da Costa Oliveira Siqueira

Pesquisadora em pós-doutorado no Centre d’études sur l’actuel et le quotidien - Sorbonne/Université Paris-Descartes
Professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Brasil
Bolsa de pesquisa da Fundação Capes/Brasil

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Juventude, corpo e mobilização no videoclipe brasileiro

 

Introdução

          Dorian Gray, protagonista de Oscar Wilde no livro O retrato de Dorian Gray, fez um pacto para manter a beleza e o frescor da juventude. Sua imagem pintada em um quadro pelo artista e amigo Basil Hallward envelhecia e tornava-se monstruosa enquanto Dorian mantinha a aparência admirável mesmo com o passar dos anos. O personagem mostra, no século XIX, o que no século XX a cultura de massa viria a explorar: uma certa representação da juventude - bastante ligada à aparência e ao hedonismo - como valor desejável, vendável em tratamentos capazes de manter o vigor e a plasticidade mesmo com o passar dos anos.

No século XXI, a imagem da juventude continua a ser explorada na publicidade, no cinema, na televisão e nos diversos produtos da indústria da cultura. Paradoxalmente, a imagem de juventude, como no caso do personagem de Wilde, passa pela aparência e não necessariamente pelo comportamento, pelo imaginário, pelos desejos e pelas visões de mundo. Um adulto com aparência jovem – esse parece ser o ideal propagado por parte dos meios de comunicação de massa. Grosso modo, algo como aparência jovem, mas pensamento que não corresponde a tal jovialidade.

Essa visão, apesar de predominante, não é única. Embora dirigidos em grande parte por uma lógica comercial, os meios de comunicação podem conter aspectos do universo da arte e da cultura popular. Além disso, são constituídos e lidos através de mediações. Mediação é um importante conceito desenvolvido por Jesús Martín Barbero (1997) ao estudar os meios de comunicação na América Latina. Seria um espaço de costumes, crenças, concepções de mundo entre o meio de comunicação e o receptor. Dessa perspectiva, cada indivíduo possuiria filtros culturais diferentes que agem sobre a maneira como recebe as mensagens dos mais variados meios. Tal noção permite entender que os meios possam veicular discursos hedonistas sobre os jovens, mas paradoxalmente conter aspectos críticos introduzidos pelos profissionais que neles trabalham – o que exige de sua leitura um olhar complexo.

Tendo como início essas observações, pensando sobre meios de comunicação e suas possibilidades mediadoras, este artigo propõe uma reflexão sobre representações da juventude na mídia. Para tal, toma como foco empírico de pesquisa um tipo de produção voltado para o público jovem: videoclipes brasileiros produzidos a partir dos anos 2000 e que mostram aspectos de juventudes que se mobilizam, que discutem e não apenas reproduzem hedonismo, parte intrínseca de uma certa juventude mitificada.

Filme curto que mescla imagem e música para, a princípio, divulgar uma banda ou um artista, o videoclipe é um formato flexível, ou para empregar um termo mais contemporâneo, multiplataforma. Como os softwares que rodam em variados sistemas, os clipes podem ser considerados multiplataforma pois podem ser rodados em várias mídias. Oriundos do cinema, ganharam destaque na televisão a partir dos anos 1980, com o canal norte-americano MTV. Quando o formato pareceu se esgotar esgotar, o clipe musical se renovou na convergência com os meios de comunicação digitais e os recursos de computadores e telefones portáteis em rede. O clipe hoje encontra espaço no formato MP-4, podendo ser « baixado » de sites da Internet e carregado em aparelhos móveis. Reunindo tecnologia e mobilidade, se volta para um público jovem e o representa em símbolos, em técnicas corporais (Mauss, [(1936) 1985]), enquanto mostra jovens em relações sociais tanto de conformismo quanto de mobilização.

Assim, o videoclipe é um bom lugar para se estudar representações e imaginários sobre o jovem. Por meio de símbolos (Durand, 1964) e atitudes simbólicas, se aproxima do universo que retrata: reflete realidades sociais específicas ao mesmo tempo em que as reconstrói e reforça determinadas identidades.

No Brasil, bandas de grande sucesso comercial ao lançar um novo disco produzem dois ou três filmes para as “músicas de trabalho”, aquelas que no jargão das gravadoras vão tocar repetidamente nas rádios e divulgar todo o disco novo. Tais clipes, com a Internet, os telefones móveis e os tocadores MP-4, tiveram sua circulação facilitada. Em outra ponta - embora não seja o tema de estudo deste artigo - deve-se considerar que a partir de softwares e plataformas digitais on-line, é possível criar e gravar versões próprias de filme para uma determinada música e posteriormente partilhá-la, tornando-a pública, visível.

Nesse universo simbólico de significativa comunicação não-verbal, o corpo ocupa espaço-chave, é pleno de cultura e, por isso, torna-se importante para o estudo de identidades juvenis, de suas afinidades transitórias (Maffesoli, 2000). Nele se manifestam modas e modos, transgressões e novos olhares sobre a sociedade.

Para construir a pesquisa metodologicamente, efetuou-se inicialmente um levantamento de cem clipes brasileiros atuais televisionados e postados nos sites You Tube e Dailymotion. Nesse conjunto amplo encontraram-se múltiplas representações da juventude que foram classificadas em algumas categorias de análise. Para o presente artigo foram selecionados quatro clipes que representam juventudes que se mobilizam, podendo ser classificados como clipes que trabalham, em certo sentido, com um discurso de crítica social.

Esses quatro clipes foram estudados a partir de uma leitura dos corpos, dos símbolos, gestos e das relações sociais mostradas, tendo-se como problema de pesquisa a questão de como esses corpos, símbolos e gestos trabalham pela afirmação de identidades e como podem apontar para aspectos de mobilização. Assim, o objetivo do texto é analisar a expressão corporal e não-verbal de jovens urbanos veiculada em clipes para buscar entender como atuam na construção de representações sobre uma parte da juventude brasileira contemporânea.

Da leitura geral dos clipes, foi possível apreender um universo jovem de hedonismo, festa, consumo, romance, sexo mas também, em contrapartida, um movimento de crítica social, de busca de liberdade ou de demonstração de revolta que utiliza os recursos do videoclipe, da cultura de massa para se expressar.

 

I. Juventude e identidade em discussão

          Como um Narciso contemporâneo, Dorian Gray envaideceu-se com sua própria beleza e juventude e deixou de lado sua « beleza interior ». A história do célebre personagem de Oscar Wilde contém uma atualização de um mito sobre a juventude e a passagem para idade adulta com compromissos, responsabilidades, hipocrisias, cinismos, inverdades.

Como mito, juventude também é narração, é fala, porta significados simbólicos, valores construídos por várias gerações. Explora aspectos compartilhados por muitos grupos sociais, elementos que são reconstruídos, exagerados, mas não inventados. Tal como Barthes aponta, o mito é um sistema de comunicação, uma mensagem que não tem formato específico e que pode então ser adaptada, reconstruída constantemente : « Evidentement, nem tudo é dito ao mesmo tempo : alguns objetos se tornam prova da fala mítica por um momento, depois desaparecem, outros tomam seu lugar, acedem ao mito »  (2005 : 182). Assim, é o mito não pode ser identificado como mentira, ele é uma forma de conservação e seja como for, sempre comunica algo.

Pensar acerca de uma mitologia sobre a juventude seria, então, pensar sobre essa narrativa, esse discurso de valorização de uma determinada fase da vida em relação às demais fases. Isso a que estamos chamando de uma mitologia sobre a juventude faz paralelo com o que Le Breton chama de « jeunisme », « essa promoção mercantil e demagógica da juventude que se impõe contudo como um aspecto do ambiente cultural de nossas sociedades contemporâneas» (2002 : 53).

Mas o que é essa construção que tanto atrai, a juventude? Diversos campos do conhecimento têm se dedicado a seu estudo. Do ponto de vista das ciências sociais, juventude é categoria de análise que pode ser entendida de variados pontos de vista : social, cultural, etário, biológico, médico.

Um tempo de passagem, de preparação para assumir um papel social e econômico, um papel « de responsabilidade », uma espécie de advento, um tempo de suspensão, de dúvida e incerteza quanto ao que virá, um paralelo à adolescência. Para Le Breton, « a juventude ocidental é um tempo de margem » (2002 : 51). Como tempo de margem, de suspense, é uma fase de provações e riscos. Conforme Le Breton,

« a adolescência é um período de multiplicação de riscos, aqueles inerentes às escolhas dos estudos, às primeiras relações amorosas, etc, mas ela é sobretudo um tempo de afrontamento do mundo com uma vontade de provar seu corpo, de sentir seus limites, de tocar o mais próximo sua existência, de experimentar, enfim, sua independência ao olhar de seus pais. » (2002 : 58)

Os aspectos apontados pelo antropólogo mostram um período relacionado com uma fase da vida ou uma faixa etária que culturalmente não é fácil de definir. Nesse sentido, Galland (1991: 126) se refere, já nos anos 90, a um allongement de la jeunesse para além dos 30 anos.

Medicamente talvez seja possível estabelecer limites de idade – embora se saiba que as diferenças sociais, econômicas e culturais também afetam o desenvolvimento físico e mental. Assim, em outro contexto, o de uma pesquisa empírica sobre jovens e sua relação com a cidadania e a violência na cidade do Rio de Janeiro, aponta-se que não há, do ponto de vista de faixa etária, um limite predeterminado ou universal para o que seja juventude. Tais limites « dependem de parâmetros socioculturais diferenciados e de tratamentos estatísticos diversos » (Minayo et all, 1999 : 12), ou seja, de critérios adotados pelas instituições que atuam junto aos grupos jovens. Segundo os autores do estudo, a Organização Internacional da Juventude, por exemplo, define tais parâmetros entre 15 e 24 anos, porém, essa demarcação é questionada « pelos que consideram juventude um processo e não apenas como uma categoria etária »  (Minayo et all, 1999 : 12).

Estudando o campo da comunicação e tendo como objeto empírico de pesquisa material publicado por diversas mídias, João Freire Filho também aponta para a dificuldade conceitual de situar com exatidão os limites para « juventude ». Assim, juventude e adolescência são conceitos « complexos e historicamente instáveis » (Freire Filho, 2005 : 174) e que variam dentro de distintos discursos. Desse modo, « as indústrias culturais, a pedagogia, a medicina, a psicologia, entre outros discursos (...), produzem ‘conhecimentos’ sobre o que constitui o jovem, como devemos interpretá-lo e interpelá-lo» (2005: 174). Todos os discursos apontados pelo pesquisador e ainda o discurso político, o econômico e a publicidade reforçam algumas práticas, inibem outras. Apresentam como generalizantes comportamentos que talvez não sejam adotados pela totalidade dos jovens.

Ainda sobre o contexto brasileiro, as pesquisadoras Borelli e Rocha apontam que o « ser jovem » está relacionado com experimentar conflituosamente

« a hierarquia de classes; as desigualdades sociais; a maior ou menor exposição à violência e os limites entre vida e morte; as condições de gênero, etnia, nível de escolaridade, qualidade de moradia, pertença familiar; a diversidade cultural; o acesso ou a exclusão ao consumo; a participação política, cultural, comunitária; o protagonismo juvenil. » (2008: 30)

Essas questões – que afetam toda a sociedade, independente de faixa etária – talvez assumam contornos conflituosos nos jovens que começam a situar-se no contexto social e econômico, a divisar as diferenças, a alteridade. Dessa forma, juventude e adolescência também se constroem por suas singularidades moldadas social e culturalmente. Na visão de Borelli e Rocha, juventude é processo e gera movimentos.

Essa perspectiva aborda os jovens « pluralmente » enquanto categorias, como fruto do social, mas respeita suas singularidades, sua capacidade criativa daí advinda. Como «coletivo singular » (Borelli, Rocha, 2008: 37), como grupo, os jovens parecem ter necessidade de apoio e identidade de algum grupo ou « neotribo » - mas no qual cada um quer/precisa se destacar individualmente. Desse modo, singular e coletivo é dialética relativa ao ser jovem.

Em nossa pesquisa, ao estudar jovens nos videoclipes não buscamos uma faixa etária, mas comportamentos, símbolos, gestos, aparências que atuam para a construção do « jovem » em um segmento da mídia. Assim, consideramos jovens os que se apresentam como tais nos videoclipes, que adotam gestos, indumentária, atitudes que os marcam como jovens. E, como Minayo, podemos entender de uma maneira geral que « juventude resume uma categoria sociológica que constitui um processo sociocultural demarcado pela preparação dos indivíduos para assumirem o papel de adulto na sociedade, no plano familiar e profissional » (1999 : 12). Momento de margem, de passagem, com todas as tensões, mitos e rituais inerentes a um advento.

O entendimento de « fases da vida » como processos socioculturais não se restringe à juventude; pode, na realidade, ser estendido a outras faixas etárias. Assim, pode-se considerar a juventude brasileira em construção permanente, buscando essa construção também pela via da afirmação ou da negação de identidades. A construção dessas identidades vai se dar social e culturalmente, em um determinado contexto, e se apresentar na mídia, por exemplo, pelo emprego de símbolos, de gestos, de técnicas corporais explicitadas. Tais símbolos, gestos, movimentos dizem, comunicam de onde vêm, para onde querem ir, a que grupos pertencem os jovens que os portam.

 

II. Corpo : símbolo e socialidade

          O corpo é sujeito e objeto do processo de comunicação; é canal ou meio pelo qual transita e se constrói o fluxo da comunicação. É por onde a mensagem circula, é de onde parte e é seu destino final. O corpo e seus adornos, técnicas de movimentação e de imobilização indicam, comunicam de modo não-verbal. Parafraseando McLuhan (1971) – o corpo é o primeiro meio de comunicação. Os outros podem ser sua extensão porque ele foi o primeiro.

No entanto, é importante observar como a partir de Descartes [(1647) 1976] e da Modernidade o corpo foi intelectualmente relegado a um plano menos importante, a ponto de se precisar reconstruir ou trazer à tona seu papel e força na análise da sociedade, de seus grupos e suas culturas (Sibony, 1995).

O corpo é elemento importante na construção da identidade do homem urbano contemporâneo, constitui suporte de diferentes linguagens e elemento de transgressão sociocultural. Pode ser submetido, mas também pode expressar indignação, revolta, descontentamento. Como mostrou Mauss [(1936) 1985], o corpo é muito mais do que orgânico: é biológico, psicológico, cultural e explicita esse último aspecto por meio das técnicas corporais.

Estando a identidade (pós-moderna) em permanente construção, o corpo como elemento de representação da identidade também está em mudança. Em sua faceta cultural, o corpo se constrói com exercícios, posturas, disciplinas, hábitos, tradições, intervenções cirúrgicas e estéticas, adoção de adornos que provocam mudanças duradouras, tais como piercings, tatuagens, furos e cicatrizes. Algum tempo atrás essas modificações poderiam ser tomadas como definitivas, hoje, no entanto, a cirurgia estética é mais acessível e pode fazer, desfazer, refazer diversas modificações corporais.

Em uma cultura tecnologizada, mediatizada, em que multiplicam-se as mudanças corporais, multiplicam-se também os discursos. O corpo é investido de múltiplos discursos, técnicas, práticas intensamente reproduzidas e veiculadas por diversos meios de comunicação. Os discursos são, pode-se dizer, ampliados pelos meios de massa. Assim valorizados, por intermédio de sua produção simbólica, os meios de comunicação de massa tornam-se uma das esferas em que se dá o reconhecimento das « novas » manifestações urbanas jovens explicitamente corporais. Diversos veículos e formatos midiáticos se apropriam dessas criativas manifestações culturais juvenis, as transformam em «novidade » editando-as e reconstruindo-as fora de seu contexto transgressor.

Nesse contexto, os videoclipes são produtos midiáticos e midiatizados, voltados para um público consumidor, construtor/reprodutor de identidades. Contêm aquilo que Janotti Jr. (2006) chamou de « música popular massiva », mas destacam corpo, dança, movimentos radicais e espetaculares. Como espaço imagético, são plenos de corpos que dizem muitas coisas – por vezes conteúdos diferentes daqueles que a canção veicula.

Os clipes são música, dança, corpo expressando um tempo, diversos valores, visões de mundo e aportes identitários. E como detectou Oliveira, « a moda e o corpo, especialmente nas culturas juvenis, apresentam-se como peças-chave nas construções identitárias » (2007 : 77).

De fato, a indumentária assume um papel simbólico entre os jovens de diferentes grupos sociais. Em estudo sobre jovens de « cités », habitantes de bairros HLM de origem operária, e partir de uma leitura de Goffman (1973), Marlière observa que « A roupa faz parte das ‘aparelhagens simbólicas’ que constituem um dos signos distintivos entre outros tais quais a fisionomia, os modos de falar, as maneiras de ser e os comportamentos » (2005: 195). Nesse sentido, as roupas « de marca » se tornam símbolo de distinção e de pertencimento a determinado grupo – vestir-se ou não com elas significa alguma coisa, é fator que contribui para a construção estética da identidade, mesmo que essas sociabilidades se deem no plano daquilo que Maffesoli (2000) chamou de socialidade, práticas que tanto reúnem quanto excluem, formam neotribos urbanas, pautam-se por afinidades afetivas transitórias, em suma, reforçam identidades (nós e os outros).

A dança, a indumentária, as marcas, o modo de se mover e gesticular buscam expressar singularidades e pertencimentos no clipe musical. Nele, dança e música estão intrinsecamente relacionadas. Enquanto no universo cênico, profissional, desde meados do século XX com coreógrafos como Merce Cunninghan, a dança contemporânea e a música tenham se desvinculado, no campo da cultura de massa, dança e música se correspondem fortemente. Como apontou Janotti Jr em estudo sobre a « música popular massiva », « a maioria dos gêneros musicais midiáticos pode ser associada a determinado modo de dança, que aqui não significa somente uma expressão pública de certos movimentos corporais diante da música e, sim, a corporificação presente na própria música » (2006 : 43).

 

III. Juventude mobilizada : representações e identidade nos clipes

          Aparatos tecnológicos, técnicas de movimentação, modos de vestir e a própria roupa são elementos presentes nos videoclipes que comunicam de onde vem e o que querem dizer os jovens ali representados; resumem a presença das techniques du corps, de Mauss [(1936) 1985], mas também o papel da indumentária na construção da identidade jovem, como apontaram Borelli e Rocha (2008). Nos clipes que estudamos esse aspecto pode ser observado.

O clipe Gueto, de Marcelo D2 (produção de 2006), apresenta técnicas de movimentação e indumentária que reforçam a proposta crítica e irônica do filme. O clipe tem início com imagens de prédios de negócios no Centro do Rio de Janeiro seguidas de imagens de uma residência em bairro pobre, onde uma família negra assiste a um programa musical na TV, enquanto Marcelo D2 canta « eu vejo a vida como um videoclipe ». Seguem-se imagens da cidade, dos Arcos da Lapa e do calçadão da Praia de Copacabana, onde « mulatas » e rapazes dançam funk. O conjunto é estereotipado, exagerado em cores e movimentos – o que desperta a atenção para a possibilidade crítica do que virá em seguida.

Paralelamente a canção segue com uma letra crítica e o cantor/compositor surge ora vestindo camiseta, bermudão e tênis, ora terno, gravata, óculos, interpretando um político com suas promessas. O clipe, em ritmo rap misturado com samba, mostra as conhecidas contradições da cidade do Rio de Janeiro (« de paraíso ao mais sujo puteiro »), de seus subúrbios (« um pouco de europeu, um pouco de africano »). Na continuação, rapazes fazem parkour sobre imagens dos Arcos. Imagens de favela, de moças rebolando sensualmente funk e uma certa violência ao falar da polícia e pedir « paz e liberdade » no « gueto » são elementos do clipe.

Aqui observa-se uma diferença no tratamento dos gêneros. As moças são mostradas vestindo roupas exíguas - short, com o top do biquini - calçando salto alto e dançando sensualmente « no gueto ». Os rapazes combativos, que não « se assustam com a sua polícia », vestem bermudão, camiseta e tênis. O corpo exposto sensual feminino se mostra em oposição ao corpo masculino vestido, forte, que pratica parkour. Ambos são mostrados como corpos preocupados com a forma física, enquanto a proposta do cantor é outra: « Vamos tomar o poder ou continuar no gueto? Você quer sair do gueto? Mas a sua mente é o gueto ».

Finalmente, as moças sensuais e os rapazes fortes se tornam imagens de papelão que crianças rasgam para fazer a « revolução ». Todos dançam juntos pelo Centro de negócios da cidade, como em uma manifestação. Braços para cima da cabeça – gestual coreografado de luta, de protesto.

Esse clipe trabalha pela afirmação da identidade de juventudes oriundas de classe populares, de bairros pobres do Rio de Janeiro, mas que constroem uma visão crítica da cidade e de sua condição. Pode ser considerado um apelo à mobilização, aqui entendida no sentido de busca de mudança: « vamos tomar o poder ou continuar no gueto? » é a pergunta feita. E embora cite o termo revolução, aqui o que se mostra não é uma proposta de luta armada, e sim, ao que parece, de mudança de comportamento dos jovens.

Enquanto esse primeiro clipe chega a citar « revolução », mas tem um tratamento de caráter mais irônico, o clipe Minha alma (a paz que eu não quero), do grupo carioca O’Rappa é um filme forte, dramático. Esse segundo filme trata da intolerância e violência da polícia contra jovens favelados do Rio de Janeiro. Embora dramatizado, contando com atores profissionais e roteiro que conta uma história, o clipe se refere a uma situação de conflito social, de polêmica.

No Rio de Janeiro, de fato, traficantes de drogas e outros criminosos encontram refúgio em comunidades pobres, nos morros e favelas – locais de difícil acesso à polícia. Ameaçam a população, que vive entre o medo do traficante e o medo da polícia que persegue o criminoso. Essa situação gera injustiças: como identificar no meio de tantos jovens os que não respeitam a lei e os que são moradores? A população lamenta a perda de jovens que, por vezes, não tinham relação com delinquência. Cecília Minayo (et all, 1999) desenvolveu ampla pesquisa sobre esse tema de violência e juventude no Rio de Janeiro.

Outro aspecto da questão também é sensível: por vezes, o próprio policial é jovem, de origem pobre, mora em ambiente de favela, com sua família. Ele é « refém » da situação. Esconder sua situação ou negociar colaboração são algumas das difíceis posições a tomar. Simplesmente assumir a condição de policial em « terreno inimigo » poderá provocar sua morte.

Minha alma busca mostrar o ponto de vista do jovem favelado, mostrar que ele tem motivo para se « revoltar ». O clipe mostra os corpos jovens vestidos de forma descontraída e simples - bermudão e camiseta, chinelos de borracha - e como oposição os policiais, nunca identificados, fardados, arma na mão. Aqui, como se destaca a inocência dos jovens, não aparecem tênis de marca, roupas da moda. São jovens quase « naturais », romantizados, fazendo paralelo com um certo mito da juventude. Entre os personagens, ganha espaço no argumento do filme uma criança pequena, talvez com três ou quatro anos. Gigante é um menininho mulato – como todos os outros do clipe – simpático, de óculos, que é carregado pelos maiores em seu passeio. É o corpo frágil, a testemunha, no meio da situação de confronto, covardia e violência que o clipe representa.

Esse clipe constitui um apelo, promove uma reflexão, embora assuma um formato da comunicação de massa, seja um « produto » que vai ajudar a divulgar um disco. Mesmo assim, é um trabalho de resistência, em um universo midiático que, em grande parte, mostra hedonismo, sensualidade, romance. O grupo O’Rappa aparece cantando em algumas cenas intercaladas com as da história contada.

Enquanto os dois clipes tratam de temas relacionados com a população mais pobre da cidade do Rio de Janeiro, o terceiro clipe estudado, O dia que não terminou, do grupo carioca Detonautas Roque Clube, tem uma temática crítica, de certa forma relacionada com a violência: o trânsito. O filme começa com cenas fortes de acidentes automobilísticos no Rio de Janeiro e do socorro de bombeiros, mescladas com fotos de matérias de jornais que tratam do assunto. O filme faz uma crítica à prática da direção perigosa, às condutas de risco em « rachas» ou « pegas » (disputas de velocidade e de manobras radicais em carros, muitas vezes com plateia assistente).

Esse clipe remete à discussão sobre as condutas de risco que Le Breton (2002) desenvolve. Os « pegas » são disputas, competições de enorme risco, nenhuma segurança – um rito assistido pelo grupo. E como ritual, reforça o mito. Conforme Lévi-Strauss, « se mito e rito não se duplicam, completam-se frequentemente » (1991: 250). Assim, como rito – ou mito executado – esse tipo de exibição visa a provar publicamente que seus participantes são dotados de coragem, de ausência de medo da morte, de capacidade de infringir a lei, em suma, de assumir riscos. Quem embebeda-se em festas e depois dirige também quer mostrar que pode assumir o risco, que não perde suas capacidades com o álcool, que continua forte e dono de suas ações.

É relevante destacar que a atitude de risco é tomada frente ao outro – e dessa forma reforça a identidade. Se o risco for tomado individualmente, sem testemunha, provavelmente terá menos valor frente ao grupo.

Entre as cenas de acidentes e de socorro às vítimas, surgem imagens da banda tocando e cantando. O vocalista do grupo canta de peito nu, com suas tatuagens expostas e um tórax exercitado à mostra. Tatuagens, piercings, músculos exercitados dizem sobre quem é e o que representa aquele corpo tanto quanto a música que ele canta. Uma leitura possível é a de uma fragilidade frente à violência, ao acidente, à dor, ao sofrimento, às consequências de tudo isso.

Aqui não se trata de um grupo social específico ou de moradores de uma região da cidade. Na tela veem-se os jovens músicos da banda falando/cantando uma certa moral, fazendo crítica a práticas disseminadas de outros jovens. O tratamento dado ao tema, soa, talvez, até um pouco « informativo », no sentido menos interessante do termo. De toda forma, o clipe mostra uma juventude – que não é favelada ou moradora do subúrbio – em momento de preocupação com a morte e a perda de capacidade física de jovens envolvidos em acidentes motorizados. Esse engajamento tem lógica pela própria história de certos grupos musicais: um músico do grupo O’Rappa ficou paraplégico depois de sofrer um assalto enquanto um músico do grupo Detonautas morreu em outro assalto. Os dois foram vítimas de tiros.

Os três clipes descritos mostram jovens que usam um formato midiático em prol de uma mobilização por alguma causa de repercussão social. De um certo modo, mostram que se deve buscar mudança. O quarto clipe estudado poderia ser considerado «frankfurtiano » em sua maneira de abordar os meios de comunicação. À maneira de Adorno e Horkheimer (1990), não enxerga possibilidade mediadora, crítica ou de estranhamento em relação ao público. Não há como reagir é a mensagem veiculada. O que, em contrapartida, pode ser lido como uma advertência para que não se deixe de manter a postura crítica.

Dessa forma, em Admirável chip novo, clipe da cantora Pitty, a temática também é a crítica à sociedade. Aqui faz sentido a atitude da cantora e de sua banda. A líder da banda geralmente veste-se de preto, tem a pele branca tatuada, adota uma « atitude » rebelde e faz rock. Nesse clipe, cantora e banda vestem-se de modo totalmente diverso: Pitty apresenta-se com um vestido formal: de saia branca comprida de tecido leve, com top lilás, cabelos presos em coque, joias, maquiagem. Os músicos usam terno e gravata ou calça, camisa e suspensórios com gravata. Todos movem-se pouco, mecanicamente, como robôs pouco hábeis. A roupa, o microfone, o cenário remetem a alguma época em meados do século XX.

Banda e cantora gravam em um estúdio. São comandados e obedecem. A cena da gravação é intercalada e se opõe a outras do grupo em show com as roupas pretas « usuais » rock. A atitude muda completamente: movimentos fortes, cabelos compridos balançando freneticamente. Cria-se uma clara oposição: antigo, antiquado, formal, comandado, imóvel e atual, rebelde, crítico, rock, de movimento acelerado e agressivo.

Em seguida aparece a explicação das mudanças bruscas: sentado em frente a uma televisão, um rapaz usa o controle remoto para trocar de canal. Ao fazer isso, provoca as mudanças, ou como é cantado, «desconfigura », obriga a « reinstalar o sistema » e « Nada é orgânico, tudo é programado. E eu achando que tinha me libertado ». « Não, senhor; sim, senhor » são frases cantadas. Aparece, então, mais um personagem: o editor que do estúdio comanda a mesa e a banda, mas que também é comandado. Em um final à la Matrix ou em estilo Brave new world, de Aldous Huxley (1932),  todos são manipulados. Embora a banda conclame todos a « reinstalar o sistema » - o que parece ser a única forma de mobilização possível - o rapaz do controle remoto desliga a TV e tudo se acaba.

Diferentemente dos outros três clipes encontrados na pesquisa, nesse há crítica a um modo de vida, mas não há solução. Não há o que fazer, porque nada vai mudar. Ou, em outras palavras, tenta-se « reinstalar o sistema », mas isso não funciona. A mobilização é vã.

 

Considerações finais

          Como representação de juventude, as imagens de jovens veiculadas em videoclipes mostram uma multiplicidade de sentidos. Embora não sejam « fiéis » à totalidade da juventude brasileira, servem para se entender como parte da sociedade pensa os jovens e que representações sobre os jovens circulam na mídia. O Brasil é um país de dimensões continentais e de rica pluralidade cultural: as regiões Nordeste e Sudeste acolhem muitas identidades e diferenças. Na mídia, nem todas essas diferenças ganham espaço. Há modelos, minorias e maiorias. O interessante de observar no caso específico aqui abordado é que se nos videoclipes há um predomínio de representações de momentos de festa ou de romance, há, em contrapartida, algum espaço para representações de jovens que buscam mudar coletivamente.

Roupas, gestos, trajetórias de artistas de origem popular ou de classes médias, podem indicar posições de mobilização em relação às contradições sociais do Brasil. É isso que se observa nos clipes estudados: jovens que se mobilizam e constroem coletivamente identidades: engajados moradores de periferia, atentos à violência da polícia, do trânsito e da cidade, revoltados com o « sistema » econômico e social. Rap, pop ou rock – o estilo de música não é relevante nesta análise – mostram movimentos de discordância, de vontade de articulação, de descrença em determinadas instituições.

Dessa forma, é relevante observar que embora seja claramente um produto de uma « indústria cultural », ligado a um mercado fonográfico, em um contexto de mediações o clipe pode representar mobilização jovem. Há em jogo nesse sistema, indústria, comércio, negócios – mas a base dele ainda é o trabalho de algum artista. Nesse sentido, videoclipe é mediação entre os diversos discursos: o comercial, o artístico, o do editor, do diretor, do cantor.

Nessa negociação de falas surgem tanto a fala contemporânea sobre a cidade e seus problemas quanto a fala mítica, heróica sobre o jovem. E mesmo como resultado de negociação das múltiplas falas das juventudes, da cidade e dos meios de comunicação, os clipes veiculam representações sobre os modos como se articulando, os jovens do Rio de Janeiro afirmam suas identidades face a determinados grupos. Organizando-se, eles se identificam coletivamente. Os clipes dos grupos estudados reproduzem e reforçam essas identidades e mobilizações, amplificando sua visualização, mostrando, talvez, vontade de transformação social.

Assim, enquanto parte dos formatos da mídia mostra a juventude em seu aspecto hedonista, efervescente, dionisíaco, um modo de vida à la Dorian Gray, uma outra parte dessa mesma mídia apresenta jovens socialmente preocupados, críticos. Suas roupas, suas danças e gestual mais agressivo mostram isso. Além disso, é relevante notar que assiste-se nos filmes a jovens mobilizados por causas que se tornam legítimas quando cantadas e dançadas por determinados jovens porque o lugar de onde falam é legítimo. São jovens e juventudes que falam de violência porque perderam pessoas próximas; tratam de subúrbio e de exclusão porque viveram essas realidades e desse modo, afirmam, reconstroem suas identidades, constituem-se como sujeitos coletivos.

 

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Pour citer cet article:

Da costa oliveira Siqueira Denise, «Juventude, corpo e mobilização no videoclipe brasileiro», RITA [en ligne], N°4: décembre 2010, mis en ligne le 10 décembre 2010. Disponible en ligne: http ://www.revue-rita.com/traits-dunion-thema-59/juventude-corpo-e-mobilizacao.html