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    Périphéries culturelles dans les Amériques
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Periféricos, então cosmopolitas: a ficção marginal brasileira em trânsito

Périphériques donc cosmopolites : la fiction marginale brésilienne en transit

 

Resumo
A partir dos programas de incentivo às traduções da Fundação Biblioteca Nacional desde 2011, os autores da chamada literatura marginal brasileira vêm desbravando o mercado editorial internacional. Na França, autores das periferias de grandes metrópoles brasileiras, como Ferréz e Conceição Evaristo, encontraram na editora Anacaona uma porta de entrada para aquele disputado mercado. Porém, um olhar apurado sobre a repercussão da ficção brasileira contemporânea na mídia francesa demonstra que, apesar de a imagem de uma literatura plural surgir com mais frequência, o enfoque dos meios ainda se volta para a favela estereotipada, ressaltando o caráter de uma literatura de país periférico. Assim, ao criar a coleção Urbana – literatura de favelas, a Anacaona enfrenta o paradoxo observado na recepção da ficção brasileira no exterior: de um lado, ratifica o estereótipo da favela/periferia e, de outro, propicia a circulação desses autores nos fluxos transnacionais. Este artigo problematiza a tensão entre a construção simbólica de um discurso pejorativo sobre a realidade do Brasil na França e a lógica transnacional da ficção brasileira contemporânea.

Palavras-chave: Literatura brasileira contemporânea; Literatura marginal/periférica; Recepção no exterior.

 

Résumé
Grâce aux programmes d'encouragement à la traduction, développés par la Fondation Bibliothèque Nationale du Brésil depuis 2011, les auteurs de la littérature marginale brésilienne ont trouvé une place sur le marché international de l'édition. En France, des auteurs de la périphérie de grandes villes brésiliennes, comme Ferréz et Conceição Evaristo, ont trouvé aux éditions Anacaona une passerelle vers ce marché concurrentiel. Cependant, un examen attentif de la répercussion de la fiction brésilienne contemporaine dans les médias français montre que, même si l'image d'une littérature plurielle apparaît plus fréquemment, l'attention des médias se tourne toujours vers la favela stéréotypée, mettant en évidence le caractère d'une littérature de pays périphérique. Ainsi, en créant la collection Urbana – littérature de favelas, les éditions Anacaona font face au paradoxe observé à la réception de la fiction brésilienne à l'étranger : d'une part, il ratifie le stéréotype favela / périphérie et, d'autre part, permet la circulation de ces auteurs dans les flux mondiaux. Cet article discute la tension entre la construction symbolique d'un discours péjoratif sur la réalité du Brésil en France et la logique transnationale de la fiction brésilienne contemporaine.

Mots-clés : Littérature brésilienne contemporaine ; Littérature marginale / périphérique ; Réception à l'étranger.

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Agnes Rissardo

Doutora em Literatura Brasileira
Universidade Federal do Rio de Janeiro

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 Reçu le 11 octobre 2020/Accepté le 12 juillet le 2021

Periféricos, então cosmopolitas: a ficção marginal brasileira em trânsito

« La littérature d’auteur(e) noire n’est pas là par faveur. Elle est là par droits. »
Conceição Evaristo (em entrevista ao NouvelObs, 2017)

Introdução[1]

       Em 1924, em seu Manifesto da Poesia Pau-Brasil, Oswald de Andrade decretava que a era da “nunca exportação da poesia » chegara ao fim. Era tempo de uma « língua sem arcaísmos, sem erudição” e de abandonar a ideia de que a literatura brasileira era uma mera cópia das literaturas europeias, reivindicando ainda o reconhecimento, a circulação e a visibilidade de nossas obras no exterior: “Dividamos: poesia de importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação”.

Quase um século depois do manifesto de Oswald, o interesse pela projeção internacional de nossa literatura permanece vivo. No entanto, é verdade que essa visibilidade e o reconhecimento mundial (ou ao menos do mundo ocidental) nunca chegaram perto do que havia sido imaginado/desejado pelo modernista, que vislumbrava uma literatura brasileira capaz não apenas de circular e ser visível no exterior, mas sobretudo de influenciar a criação literária de autores estrangeiros.

Embora a circulação transatlântica de impressos ocorra desde o Brasil Império (Abreu, 2016), foi somente a partir da segunda metade do século XX, com o surgimento de traduções qualificadas de romances brasileiros de autores consagrados como Jorge Amado, Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Machado de Assis, que nossa literatura começou, de fato, a ganhar certa visibilidade no exterior. Porém, o boom da literatura latino-americana, em fins da década de 1960, que praticamente não contou com obras e autores do Brasil, deu margem a debates na imprensa do país sobre a pouca atenção dispensada aos escritores brasileiros por parte das editoras e outras instituições. Ao regressar da Feira do Livro de Frankfurt, em 1977, Edla Van Steen constatava que “o escritor brasileiro praticamente também não existe fora das fronteiras do país” (Van Steen apud Pardo, 2014: 266).

Tal cenário prevaleceu nas décadas seguintes[2], mas, nos últimos dez anos, uma mudança sutil, porém significativa, estaria ocorrendo na abordagem das obras literárias brasileiras enquanto “produto de exportação”. O mercado de traduções se aqueceu fortemente com o anúncio, em 2011, de uma nova versão do Programa de Apoio à Tradução e à Publicação de Autores Brasileiros, da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), que previa um investimento total de R$ 12 milhões até 2020 em traduções e publicações de obras brasileiras.

Imprescindíveis em um momento em que se reivindicava um lugar no sistema-mundo para o Brasil, as novas traduções de ficção contemporânea impulsionaram o mercado editorial no exterior e acionaram as engrenagens daquilo que Pierre Bourdieu (1992) e Pascale Casanova (1999) descrevem como campo literário, ou seja, um conjunto de relações de poder entre os diversos agentes (autores, críticos e editores), relativamente autônomos, em uma rede de instâncias específicas que operam como mediadoras entre os produtores, a obra e o público.

Nesse sentido, a intensificação do comércio internacional de livros, evidenciada pelo aumento do número de traduções e pela diversificação de idiomas traduzidos, é sobretudo uma consequência do desenvolvimento do mercado internacional de livros, de acordo com Gisèle Sapiro (2008). Por outro lado, a socióloga francesa constatou que essa intensificação é acompanhada por um domínio crescente do inglês e um boom nos gêneros de livros de rápida rotação (romance policial, romance cor-de-rosa, best-sellers etc.), entre os quais traduções em inglês são super-representadas em comparação com outras línguas. “Longe da imagem encantada de um diálogo de culturas, estamos testemunhando o surgimento de uma literatura globalizada, que muitas vezes provém do modo de produção industrial e não do modo artesanal”[3] (Sapiro, 2008: 396). Nesses casos, as trocas no setor de livros seriam cada vez mais marcadas pela busca de rentabilidade a curto prazo, segundo ela.

Junte-se a esse cenário, as cada vez mais numerosas feiras internacionais do livro, que vêm sendo fundamentais para o desenvolvimento do mercado editorial de numerosos países cujos modos de produção eram ainda precários e dependentes do campo do poder político e para uma intensificação de intercâmbios (Pardo, 2014). Assim, ao investir nessa diplomacia cultural, o governo brasileiro também incentivou a participação ostensiva de nossos autores em feiras internacionais do livro, sendo que o Brasil foi o país homenageado em várias delas (Frankfurt, Paris, Bolonha, Guadalajara etc.).

Mas a engrenagem não se esgota aí: a despeito do atual quadro de incertezas quanto ao futuro e às prioridades das políticas culturais do atual governo federal, parece-nos evidente que, ao menos até 2020, o objetivo de editores, tradutores e autores brasileiros, conscientes da condição periférica da língua portuguesa e da luta inglória contra o domínio da língua inglesa no mercado editorial, não era meramente o de exportar comercialmente a nossa literatura e obter altos índices de vendagens, mas o de participar de um diálogo internacional, visando ao aumento daquilo que Casanova (1999) chama de “capital cultural”, formado por “bens simbólicos” que determinam o grau de prestígio e de patrimônio daquela literatura no sistema-mundo.

I. Da periferia de uma periferia para o mundo

          Seguindo-se ainda o raciocínio de Casanova, o sistema literário brasileiro, numa visão geral, estaria situado entre as “literaturas emergentes/menores/pequenas”, já que a nossa historiografia literária mostra um capital temporal acumulado menor que outras tradições literárias. O fato é que tanto as políticas públicas do governo brasileiro quanto autores, tradutores e agentes literários vinham operando na lógica globalizada do mercado editorial unificado de traduções e seguindo a cartilha do sistema-mundo na obtenção de reconhecimento pelos chamados “centros legitimadores”. O Brasil aceita e incorpora, dessa forma, a condição de “nação periférica” (ou semiperiférica, como quer Franco Moretti) desse espaço geocultural e nas dinâmicas globais/mundiais.

Como consequência da inserção do país nos fluxos literários e culturais transnacionais, portanto, espera-se que os autores brasileiros sejam convidados a palestrarem nas feiras internacionais do livro, bem como em eventos com alunos e professores universitários no exterior; além disso, com o aumento da visibilidade e circulação das obras, que estudantes e pesquisadores, ainda que de forma tímida, comecem a se interessar pelo estudo crítico desses livros e a desenvolver trabalhos acadêmicos sobre eles; que novos estudantes se interessem por aprender a língua portuguesa e ingressem nas universidades que oferecem cursos de graduação e pós-graduação em português e literatura brasileira; e que, enfim, a presença na mídia (impressa, virtual e audiovisual) das obras e de seus autores, seja em resenhas literárias, seja em reportagens ou entrevistas, também se torne mais frequente, o que, por sua vez, contribuiria para o aumento da visibilidade das obras.

Nesse contexto, o mercado editorial francês – conhecido por seu prestígio, estabilidade e tradição –, continua sendo uma almejada porta de entrada para autores brasileiros nos fluxos transnacionais, em busca de legitimação e visibilidade internacional. Na França – o terceiro país que mais se beneficiou dos programas da FBN[4] (Magri, Rissardo, 2015), enquanto as gigantes do mercado editorial como Gallimard, Flammarion e Actes Sud, de um modo geral, apostavam suas fichas em nomes consagrados como os de Chico Buarque, Fernanda Torres, Paulo Coelho e Milton Hatoum, as pequenas editoras despontavam como um meio inequívoco para os ficcionistas brasileiros contemporâneos menos conhecidos, estreantes ou não.

Sapiro ressalta que, diante do grande domínio do inglês no mercado global de traduções, o investimento em idiomas semiperiféricos ou periféricos, como o português, constitui um recurso para pequenos editores, que apostam na estratégia de “nicho”. Ela sublinha que o investimento na tradução de obras de literatura parece ser uma das estratégias de resistência do polo intelectual das editoras francesas (em particular as pequenas editoras) diante da crescente mercantilização de bens culturais. “O estudo da circulação internacional de livros por meio da tradução mostra que o processo de globalização é um processo complexo, que não é o simples reflexo do imperialismo econômico, mas também envolve modos de resistência a essa dominação”[5] (Sapiro, 2009: 398). O livro continuaria sendo, portanto, um dos vetores privilegiados dessa resistência, segundo a socióloga francesa, “pela manutenção de critérios intelectuais, pela preservação de uma diversidade cultural legível no número de idiomas traduzidos e por se tornar o veículo de discursos abertamente críticos que podem conhecer uma difusão mundial”[6] (Sapiro, 2009: 398).

Assim, pode-se afirmar que as bolsas da FBN contribuíram para a resistência à dominação do mercado editorial por obras de origem anglo-saxônica, ao possibilitarem que os autores da chamada literatura marginal/periférica brasileira, tais como Ferréz, Sacolinha, Marcelino Freire, Ana Paula Maia, Alessandro Buzo e Conceição Evaristo, entre outros, que há 15 anos não imaginavam ver suas obras traduzidas e publicadas em outros países, encontrassem espaço no mercado editorial internacional. Esse movimento cosmopolita das periferias, ou o “cosmopolitismo do pobre”, como designado por Silviano Santiago (2004), não pode ser ignorado ou banalizado. O crítico lembra que, há anos, “muitos dos ilustres visitantes estrangeiros [...] sobem até as favelas e dialogam com grupos culturais que ali estão localizados”. Porém, agora seria o momento da contrapartida: “[...] muitos dos jovens artistas moradores em comunidades carentes têm viajado a países estrangeiros e apresentado seu trabalho em palcos internacionais. Duas ou três décadas atrás seria impensável esse tipo de contato entre profissionais duma cultura hegemônica e representantes jovens duma cultura pobre num país como o Brasil” (Santiago, 2004: 62-63).

Temos, portanto, um cenário em que representantes da periferia de um país periférico como o Brasil conseguiram se fazer ouvir e alcançar alguma visibilidade por meio da publicação de ficção em prosa por editoras francesas e a consequente participação em feiras e eventos do livro[7] e reportagens e/ou entrevistas para a imprensa local.

Na França, há quatro editoras pequenas – todas elas dirigidas por cidadãos franceses – que descobriram no Brasil um nicho e se especializaram, cada uma a seu modo, em difundir a literatura brasileira, optando quase sempre pela prosa ficcional contemporânea. São elas: Métailié, Chandeigne, Folies d’Encre e a mais jovem delas, Anacaona, à qual dedicaremos um olhar mais aprofundado adiante graças à sua dedicação especial às obras de literatura marginal / periférica do Brasil.

II. O pioneirismo de Carolina Maria de Jesus

       Se, em décadas passadas, o intelectual – como observado por teóricos como Michel Foucault (1971 e 1978) e Gayatri Spivak (2010) – tinha a função de porta-voz de sujeitos silenciados, isto é, falava em nome desses sujeitos, o que, paradoxalmente, silenciava-os, na contemporaneidade são os próprios sujeitos marginalizados que assumem o seu discurso. Carolina Maria de Jesus pode ser considerada uma precursora desses sujeitos outrora silenciados que adquirem fala própria no Brasil. E também no trânsito da literatura brasileira de periferias pelos fluxos transnacionais. Na França, seu livro Quarto de despejo: diário de uma favelada (1960) recebeu o título de Le dépotoir e também se tornou um best-seller quando foi publicado pela primeira vez, em 1962, pela editora Stock e com tradução de Violante do Canto. Uma reportagem de 12 páginas na revista francesa Match sobre Carolina, pouco antes do lançamento (Fernandez, 2014b: 302), já procurava despertar o interesse do leitor francês para o livro. A mesma editora publicaria, dois anos depois, e com a mesma tradutora, Ma vraie maison (Quarto de alvenaria, 1961), espécie de continuação de Quarto de despejo, em que Carolina relata sua ascensão social – a mudança da favela para um bairro de classe média paulista e as dificuldades de adaptação e aceitação nesse meio – graças ao sucesso obtido com a literatura.

Em 1982, os escritos de Carolina em que a escritora narra recordações de infância e juventude foram reunidos pela jornalista Clélia Pisa, a quem Carolina havia confiado os seus textos, em 1977, pouco antes de morrer (Sousa, 2010: 2), e publicados primeiramente na França, pela editora Métailié, com tradução de Régine Valbert, e o título de Journal de Bitita[8]. O livro só chegaria ao mercado editorial brasileiro, via editora Nova Fronteira, em 1986, curiosamente com tradução do francês para o português[9]. Segundo a editora Anne Marie Métailié, a edição obteve uma boa acolhida na imprensa e ganhou o prêmio Prix des lectrices d’Elle. “O prêmio foi promovido pela Elle, que era uma grande revista feminina e a mais prestigiada. Houve um evento regional em Nice e fomos representar Carolina com a Clélia, que contou a história de Carolina [na ocasião]” (Fernandez, 2014a: 296).

III. Uma editora para a periferia

       Se Carolina Maria de Jesus foi uma precursora no trânsito da literatura brasileira de periferias na França, atualmente esse lugar vem sendo ocupado por autores publicados por pequenas editoras, sobretudo pela Anacaona. Fundada em 2009, a editora é dirigida pela tradutora francesa Paula Anacaona, e tem como proposta difundir a literatura marginal e periférica do Brasil. No site da editora, o texto de apresentação afirma que, quando foi criada, a Anacaona “tinha como foco a literatura marginal brasileira – uma literatura feita por minorias, raciais ou socioeconômicas » em que o talento literário está « a serviço de uma causa política ou social” (Anacaona).

A primeira publicação da editora foi o Manual prático do ódio (Manuel pratique de la haine, 2009), de Ferréz, uma das vozes mais ativas da periferia de São Paulo. A proposta inicial de Paula era criar um “tríptico favela”, ou seja, publicar primeiro um livro em que a favela fosse descrita por seus bandidos, como no caso do livro de Ferréz, depois por seus trabalhadores (nas coletâneas de contos e fragmentos de romances) e, por fim, por seus policiais (Elite da tropa 2/Troupe d’élite 2, 2012). Nascia, assim, a coleção Urbana da editora que, em 2012, apostou no lançamento da coletânea Je suis favela (Eu sou favela) com textos de autores como Alessandro Buzo, Marçal Aquino, Marcelino Freire, Rodrigo Ciríaco, Sacolinha e o próprio Ferréz, entre outros, que renderia três novos volumes posteriormente. O primeiro deles, Je suis toujours favela, foi lançado em 2014, com 18 contos de um coletivo de autores – desta vez incluindo várias mulheres, algumas delas negras, como Ana Paula Maia e Ana Paula Lisboa – em histórias, como diz a editora na apresentação do livro, “que mostram uma favela livre de preconceitos, consumidora, hiperativa, amorosa, engenhosa, mas sempre violenta, excluída”[10]. É notável ainda a presença, nesse volume, de sete artigos não ficcionais de professores e pesquisadores, além de entrevistas sobre o Brasil contemporâneo, numa tentativa de apresentar ao leitor francês as mudanças ocorridas no país ao longo dos dez anos precedentes, em temas como a pacificação de favelas, as manifestações de 2013, a nova classe média, os negros no Brasil e a literatura nas favelas.

Em 2016, na esteira das Olimpíadas, a Anacaona lançou a coletânea Je suis Rio, com mais 25 contos, dessa vez tendo o Rio de Janeiro, especificamente, como tema ou pano de fundo das histórias. O número mais recente da coleção é Je suis encore favela, lançado em 2018, com contos de 22 autores, entre eles, Ana Paula Lisboa, Conceição Evaristo, Ferréz, Geovani Martins, Cidinha da Silva e Marcelo Moutinho. Já em 2019, a editora publicou Noir et blanc, romance policial de Fernando Molica, tradução de Bandeira negra, amor (2005), que tem como ponto de partida a execução de três adolescentes negros em uma favela do Rio de Janeiro. 

Ainda no site da editora, lemos na descrição das coletâneas que a proposta dos livros é oferecer “uma viagem ao interior das favelas para que o público francês descubra uma favela longe dos estereótipos”. O texto prossegue afirmando que as obras “mostram a favela tal como ela é: comum, orgulhosa e terrível ao mesmo tempo” (Anacaona)[11].

IV. Favela idealizada X favela brutalizada

       A preocupação da editora com a quebra de estereótipos em relação ao Brasil, e em especial às favelas brasileiras, é flagrante. E não é para menos: a feição da literatura brasileira na França é historicamente embasada em clichês como o do exotismo, o do brutalismo e, desde o sucesso do livro (1997) e do filme (2002) Cidade de Deus, o das favelas. A construção de um imaginário sobre o tema na Europa remonta, de fato, ao lançamento, em 1959, do filme de Marcel Camus e vencedor da Palma de Ouro em Cannes Orfeu Negro (ou Orfeu do Carnaval), que, a partir de uma peça de Vinicius de Moraes, contava a história do mito de Orfeu e Eurídice ambientada em uma favela carioca durante o Carnaval.

Essa favela idealizada da década de 1960 ganha contornos cruéis e cede lugar à favela da violência e das desigualdades sociais de Cidade de Deus, em 2002, definindo um estereótipo que ainda hoje perdura na recepção francesa. Um olhar mais apurado sobre a repercussão do Salão do Livro de Paris de 2015 na mídia francesa – um dos termômetros de avaliação da visibilidade da ficção brasileira no exterior – demonstra que, apesar de a imagem de uma literatura plural e diversificada surgir com mais frequência nas páginas de jornais[12], revistas, sites e blogs, em comparação a anos anteriores (como em 2005, por ocasião do Ano do Brasil na França), o enfoque da mídia ainda se volta para a favela, a violência urbana e as desigualdades sociais, ressaltando o caráter de uma literatura de país periférico.

É o caso do suplemento literário “Le Monde des Livres”, do jornal Le Monde, que, além de vendido normalmente nas bancas, foi distribuído gratuitamente aos 180 mil visitantes do Salão do Livro. A edição especial trazia na capa o sugestivo título: “O Brasil se lê cru. Em sua literatura, o país convidado para o Salão do Livro agora enfrenta as realidades mais brutais”[13] (Bourcier, 2015: 1). A foto de um menino brincando em uma favela do Rio de Janeiro ilustra a matéria, que chama atenção para as “brutalidades passadas e presentes”, tais como os massacres coloniais, a escravidão, a ditadura e as violências sociais e econômicas como o “terreno onde se nutre uma nova geração de escritores” (Bourcier, 2015: 2).

Nesse cenário, as obras publicadas pela editora Anacaona ganharam destaque em uma parcela significativa de reportagens sobre a atual literatura brasileira, em alguns casos com entrevistas e perfil detalhado da diretora Paula Anacaona, e invariavelmente ilustradas com fotos de favelas cariocas. O jornal 20 Minutes não se furtou, ainda, a fazer referência ao romance e ao filme Cidade de Deus e apontá-lo como o fundador de um gênero: a literatura de favelas: “Salão do Livro: no Brasil, a literatura de favelas, em plena ascensão depois do choque de Cidade de Deus”[14] (Laurent, 2015), diz o título da reportagem, ao enfocar a editora Anacaona.

V. A resistência de Conceição Evaristo

       Um caso peculiar é o da poeta, contista e romancista Conceição Evaristo, que já teve seus dois romances, Ponciá Vicêncio (2003) (L’histoire de Poncia, 2015) e Becos da memória (2006) (Banzo, mémoires de la favela, 2016), publicados pela Anacaona, ambos pela coleção Terra. Nascida em 1946 e criada ao lado de oito irmãos em uma favela de Belo Horizonte (MG), Conceição trabalhou como empregada doméstica até concluir o Curso Normal, mudando-se para o Rio de Janeiro em 1971, quando foi aprovada em um concurso público para o magistério. Em seguida, graduou-se em Letras (UFRJ) e obteve os títulos de mestre em Literatura Brasileira (PUC-Rio) e doutora em Literatura Comparada (UFF). Estreou na literatura em 1990 na antologia Cadernos Negros.

A história de superação da escritora e seus romances de teor autobiográfico, que narram recordações da infância e de sua vivência como mulher negra e pobre, além de abordar temas como a discriminação racial, de gênero e de classe, não passaram despercebidos pela mídia francesa. Em 2015, por ocasião do Salão do Livro de Paris e do lançamento de L’histoire de Poncia, o jornal La Croix entrevistou a escritora para uma reportagem que destacava a trajetória de uma “autora de favelas” com o título “Conceição Evaristo, a voz negra das favelas”[15]. Ressaltava o redator: “Conceição Evaristo atribui importância primordial à imaginação. Ela conhece o real que mata, enquanto o discurso e a escrita liberam. Imaginar é também sonhar e criar para lutar contra o fracasso individual e social, a solidão e o silêncio”[16] (Schneider, 2015).

Longe, porém, do epíteto “autora de favelas”, o suplemento literário “BibliObs”, do NouvelObs, dedicaria, em julho de 2017, uma alentada reportagem a Conceição Evaristo, comparando-a à escritora norte-americana negra Toni Morrison (1931-2019). Com o título “Conceição Evaristo, a romancista negra que sacode o Brasil”[17], a matéria não esconde a origem e a trajetória da escritora, no entanto, ultrapassa a questão ao enfatizar o aspecto militante de sua escrita e fala. De início, o redator relata que conheceu Conceição nos bastidores de uma conferência dela na Fondation Jean Jaurès sobre o tema “A escrita como ato de resistência” (Lavielle, 2017). Note-se que um link para o vídeo da conferência é disponibilizado em seguida. A reportagem prossegue com destaque para o perfil aguerrido de Conceição:

Ela dá, de imediato, uma impressão de força silenciosa. E é preciso força para resistir quando se é uma mulher negra e brasileira. Resistir contra um sistema universitário que não faz nada para ajudar as minorias, resistir contra os clichés persistentes sobre as mulheres negras (“empregadas domésticas boas de cama e mesa”, diz Conceição Evaristo), resistir contra os ditames de uma sociedade patriarcal e branca[18] (Lavielle, 2017).

É provável que o enfoque menos espetacularizado da mídia em torno de Conceição Evaristo se deva, sobretudo, à presença da autora na França para lançar seus romances e às entrevistas concedidas por ela, nessas ocasiões, à imprensa local. Ao contrário de Carolina Maria de Jesus, que, não por acaso, é constantemente reverenciada pela escritora, a voz e o discurso de resistência muito bem embasados de Conceição flagrantemente se impõem frente ao desejo por vezes sensacionalista da mídia francesa de “vender” uma imagem distorcida da realidade brasileira por intermédio da sua literatura.

Concedida em 2017, isto é, após o impeachment de Dilma Rousseff e no momento em que o Brasil era governado por Michel Temer, o relato de Conceição Evaristo é revelador de um olhar corajoso e esperançoso:

Essas políticas públicas [de cotas nas universidades e programas voltados às minorias indígena e afro-brasileira] estão apenas começando a “dar frutos”, segundo Evaristo. Mas ela está convencida: “Não é possível voltar atrás. A comunidade negra tomou consciência de seus direitos por meio dessas políticas”. É com essa determinação silenciosa que ela olha para o futuro. “Avenir”, sua palavra favorita na língua francesa[19] (Lavielle, 2017).

VI. Desmistificando o Brasil

       Cabe ressaltar que o fascínio pela pobreza e violência urbana brasileiras não se restringe à mídia na França: na tese de doutorado em Geografia Imagens e estereótipos do Brasil nos livros didáticos franceses (UFU, 2013), Leonardo Moreira Ulhôa constata que, ao apresentarem o Brasil aos estudantes franceses, os livros didáticos deste país enfatizam os problemas característicos de uma nação periférica e de desenvolvimento tardio, tais como mendicância, urbanização sem controle e delinquência, o que, segundo o pesquisador, forma uma construção simbólica a partir de um discurso único e pejorativo sobre a realidade do país. Ulhôa frisa que as favelas aparecem sempre como lugares pestilentos, com esgoto a céu aberto, propícios às epidemias. “Alimentadas, então, pelos aspectos excludentes e pejorativos, as imagens do Brasil cada vez mais parecem confirmar a sistematização de um pensamento eurocêntrico, uma vez que, constituídas pelas insuficiências das formas de vida, nos tratam como uma sociedade atrasada ou periférica” (Ulhôa apud Paiva, 2015).

Embora a proposta da editora Anacaona seja a de recusar o exotismo e o reforço de estereótipos em torno da favela – afinal, muitos autores da chamada Literatura Marginal, como Alessandro Buzo, Rodrigo Ciríaco e Sérgio Vaz, se empenham em uma postura de resistência e de dessacralização do fazer literário por meio da leitura em saraus[20] –, a mídia francesa ainda não se desvencilhou dos clichês criados nas décadas passadas. A editora enfrenta, assim, o difícil paradoxo observado na recepção da ficção brasileira no exterior: ao criar a coleção “Urbana – literatura de favelas”, ela, de um lado, ratifica o estereótipo da violência e pobreza, e, de outro, funciona como porta de entrada para autores da periferia de grandes metrópoles brasileiras, como Ferréz, Marcelino Freire e Conceição Evaristo, nos grandes fluxos globais.

Mas o que procura o leitor estrangeiro na literatura brasileira? Professor de literatura brasileira da Universidade de Bolonha, na Itália, Roberto Vecchi tenta responder à questão:

Há uma resposta imediata e, de certa forma, dramática, que é uma certa imagem da realidade brasileira. Ou seja, são os interessados pelo Brasil que procuram a literatura brasileira. O que é efetivamente um problema porque o Brasil mais complexo e sofisticado não está atrás das obras mais realistas, mas de obras muito mais sofisticadas como Macunaíma, Grande sertão: veredas e Vidas secas. Por isso que há um público-alvo de leitores que tenta procurar o Brasil e às vezes não o encontra. Por isso que, nesse horizonte de expectativas da recepção, é importante um mediador, que pode ser um estudioso de literatura, um crítico ou o leitor informado, que pode desempenhar um papel de divulgação e aprofundar os motivos de interesse da literatura brasileira além do conhecimento imediato do Brasil. [...]  Por isso, o esforço que deve ser feito por parte da crítica é tentar mostrar a relação e ao mesmo tempo a riqueza dessa relação entre o texto e o contexto (Conexões Itaú Cultural, 2010).

Nesse sentido, Paula Anacaona parece consciente do seu papel de mediadora e da responsabilidade de sua editora no espaço literário francês, uma vez que procura desmistificar, sempre que possível, o rótulo « Literatura de favelas”. Em entrevista de dez minutos ao site da rádio France Inter (Siméone, 2015), a diretora explica como se deu o surgimento da literatura marginal e periférica no Brasil, ressalta as diferenças entre as favelas de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte, e detalha, ainda, as condições sociais e econômicas que propiciaram a ascensão da Classe C nas últimas décadas no país e a consequente elevação da autoestima dos moradores das periferias.

De acordo com Sapiro (2008), a recepção de uma obra literária é em parte determinada pelas representações da cultura de origem e do estado (central ou periférico) da língua, uma vez que “as obras traduzidas podem ser apropriadas de formas diversas e às vezes contraditórias, em função de questões próprias do campo intelectual de recepção”[21] (Sapiro, 2008: 41). Por esse motivo, a editora adota o que denomina de tática de “literatura de guerrilha”, que consiste na divulgação dos livros pela própria diretora e pelos autores em eventos literários, bibliotecas municipais e escolas da periferia francesa.

Um esforço visível de Paula ocorre no sentido de aproximar a literatura marginal contemporânea brasileira do leitor de ficção francesa de periferia, ou Littérature de banlieue, como a ela se referem os franceses. Entre as ações estão o cuidado na tradução dos textos brasileiros, realizada pela própria Paula, que procura utilizar a linguagem local dos moradores da periferia francesa, com suas gírias e códigos característicos.

Outra iniciativa é a de promover o encontro e o debate de autores brasileiros com franceses, como a mesa redonda intitulada “Favelas brésiliennes, quartiers français, sources d’inspiration littéraire”, mediada por Paula no Salão do Livro de Paris de 2013, que contou com a participação de Ferréz, Rodrigo Ciríaco e do autor francês de origem marroquina e residente em Saint Ouen, na periferia de Paris, Rachid Santaki. Na ocasião, as afinidades e disparidades das literaturas nascidas nas margens de São Paulo e de Paris foram tema de discussão entre os autores. Em comum, além do ímpeto pela autorrepresentação de vozes por tantos anos silenciadas, Ferréz, Ciríaco e Santaki observaram a influência do movimento hip hop em seus textos ficcionais, tanto no que se refere à representação de sujeitos marginalizados como protagonistas dos contos e romances quanto às semelhanças com a estrutura rítmica das letras de rap na construção da narrativa. E, se Cidade de Deus (o livro e o filme) é considerado um precursor da literatura marginal/periférica brasileira, o filme La haine (1995), de Mathieu Kassovitz, foi apontado por Santaki como uma importante referência para a elaboração do seu universo ficcional. De divergente, os escritores identificaram os contextos histórico, social e político dos dois países, pano de fundo para a constituição das narrativas. Por exemplo, a formação das quebradas paulistanas, calcada em um processo de expansão desordenada da cidade e favelização, que difere significativamente da origem das banlieues de cidades francesas, bastante heterogêneas em sua acepção: há as periferias abastadas e as periferias pobres, sendo estas constituídas por conjuntos habitacionais populares e a forte presença de uma classe proletária formada por imigrantes e seus descendentes (magrebinos, argelinos, marroquinos etc.).

Em meio ao debate dos escritores, Rodrigo Ciríaco levanta-se e recita a plenos pulmões o poema “Biqueira literária”, despertando instantaneamente o interesse dos visitantes do Salão do Livro, que se aproximam do estande do Brasil para assistir à performance do escritor. No dia seguinte, Ciríaco anota em seu blog: “A literatura marginal-periférica mostra, comprova, cada dia mais, uma frase de Tolstoi: “quer ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Estamos sendo “literatura sem fronteiras” (Ciríaco, 2013).

Considerações finais

       É perceptível a existência de um conflito na recepção da literatura brasileira marginal na França: ao reproduzir os clichês das favelas do Brasil, evocando um espanto dissimulado em relação às misérias e à violência desses espaços, a mídia francesa se exime de reconhecer as desigualdades sociais de seu próprio país e não dedica o mesmo tratamento à literatura de periferia da França, que apresenta inquestionáveis semelhanças com a brasileira, como, por exemplo, a aproximação da escrita com o ritmo e os temas do rap e do hip hop.

Nesse sentido, ao problematizarmos a tensão entre a construção simbólica de um discurso pejorativo sobre a realidade do Brasil na França e os usos da imaginação para além do conceito de nação, como pensados por Arjun Appadurai, podemos concluir que a editora Anacaona desempenha um papel estratégico de translocalidade, não apenas por difundir a literatura marginal brasileira na França, mas sobretudo por estabelecer um diálogo entre autores brasileiros e franceses, e leitores daquele país de um modo geral. Se o imaginário é o criador de novas territorialidades, como afirma Appadurai (1997), podemos dizer que, ao aproximar esses imaginários, a editora dá um passo em direção à quebra de fronteiras culturais entre os dois países, e insere a literatura de autores que, em outras condições, poucas chances teriam de participar de um diálogo nos fluxos literários e culturais transnacionais.

Notas de fim

[1] Artigo elaborado a partir da pesquisa de pós-doutorado “O novo cosmopolitismo exportável da literatura brasileira: recepção crítica no Brasil e na França”, desenvolvida com apoio do PNPD/CAPES, no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

[2]Podem ser apontadas como exceções nesta “invisibilidade” internacional as traduções de Cidade de Deus, de Paulo Lins, para vários idiomas por editoras renomadas, mas que vieram a reboque do sucesso do filme homônimo de 2002; e, ainda, os livros de Paulo Coelho, autor que conta com o maior número de traduções (em 81 idiomas) pelo mundo e indiscutível êxito editorial, mas recebe a etiqueta de “literatura de autoajuda”.

[3] Tradução minha. No original: « Loin de l’image enchantée d’un dialogue des cultures, on assiste à l’émergence d’une littérature mondialisée, qui relève souvent du mode de production industriel plutôt qu’artisanal [...] ».

[4] Conforme entrevista realizada, em 2015, com a diretora do Centro de Cooperação e Difusão da FBN, Moema Salgado, e o coordenador do Programa de Apoio à Tradução e à Publicação de Autores Brasileiros no Exterior, Fábio Lima.

[5] Tradução minha. No original: « [...] l’étude de la circulation internationale des livres par voie de traduction montre que le processus de la mondialisation est un processus complexe, qui n’est pas le simple reflet d’un impérialisme économique, mais implique aussi des modes de résistance à cette domination ».

[6] Tradução minha. No original: « [...] par le maintien de critères intellectuels, par la préservation d’une diversité culturelle lisible dans le nombre de langues traduites, et en se faisant le véhicule de discours ouvertement critiques qui peuvent connaître une diffusion mondiale [...] ».

[7] Os mais importantes, na França, atualmente, são: Livre Paris (ex-Salão do Livro de Paris), Étonnants Voyageurs (em Saint-Malo, Bretanha) e Printemps Littéraire Brésilien, promovido pelo setor de Estudos Lusófonos da Universidade Sorbonne - Paris 4.

[8] A edição foi publicada com um erro na grafia do nome da autora: Maria Carolina de Jesus.

[9] Caso recente e semelhante ao de Carolina Maria de Jesus é o de Davi Kopenawa, xamã e porta-voz Yanomami que realiza, em um mesmo relato autobiográfico, um manifesto xamânico e um libelo contra a destruição da floresta amazônica. O texto, no entanto, foi escrito pelo etnólogo francês Bruce Albert e publicado primeiramente na França com o título La chute du ciel: paroles d’um chaman yanomami (Terre Humaine, 2010). Somente em 2015 o livro foi traduzido para o português por Beatriz Perrone-Moisés e publicado no Brasil, intitulado A queda do céu (Companhia das Letras).

[10] Tradução minha. No original: « Des histoires qui montrent une favela libérée des préjugés, consommatrice, hyper active, amoureuse, débrouillarde, mais toujours violente, exclue ».

[11] Tradução minha. No original: « [...] ce voyage à l’intérieur des favelas, pour faire découvrir au public français une favela loin des stéréotypes. [...] Je suis toujours favela montre la favela telle qu’elle est : ordinaire, fière et terrible à la fois ».

[12] Na ocasião, a Magazine Littéraire, revista sobre literatura de maior circulação no país, a rádio estatal France Inter, e os jornais La Croix e La Nouvelle Quinzaine Littéraire destacaram a variedade literária do Brasil em extensas reportagens nas quais apresentavam vários dos autores participantes do Salão do Livro de 2015 e a pluralidade de temas abordados em nossa ficção.

[13] Tradução minha. No original: « Par sa littérature, le pays invité au Salon du Livre affronte désormais les réalités les plus brutales ».

[14] Tradução minha. No original: « Salon du Livre: au Brésil, la littérature de favelas en plein essor depuis le choc de La Cité de Dieu ». 

[15] Tradução minha. No original: « Conceição Evaristo, la voix noire des favelas ».

[16] Tradução minha. No original: « Conceição Evaristo attache une importance primordiale à l’imaginaire. Elle connaît le réel qui tue, alors que la parole et l’écriture libèrent. Imaginer, c’est aussi rêver et créer pour lutter contre l’échec individuel et social, la solitude et le silence ».

[17] Tradução minha. No original: « Conceição Evaristo, la romancière noire qui bouscule le Brésil ».

[18] Tradução minha. No original: « [...] elle donne tout de suite une impression de force tranquille. Et il en faut de la force lorsqu’on est une femme noire et brésilienne pour résister. Résister contre un système universitaire qui ne fait rien pour aider les minorités, résister contre les clichés persistants au sujet des femmes noires (« des femmes de ménages bonnes en cuisine et au lit », dixit Conçeicao Evaristo), résister contre les diktats d’une société patriarcale et blanche ».

[19] Tradução minha. No original: « Ces politiques publiques commencent à peine à porter leurs fruits», selon Evaristo. Mais elle en est convaincue: « Aucun retour en arrière n’est possible. La communauté noire a pris conscience de ses droits grâce à ces politiques. » C’est avec cette détermination tranquille qu’elle regarde vers l’avenir. “Avenir”, son mot préféré de la langue française ».

[20] De acordo com Lucía Tennina (2017), a grande revolução dos saraus de poesia (reuniões em bares de diferentes bairros das periferias brasileiras, em que os participantes declamam ou leem textos próprios ou de outras pessoas na frente de um microfone) tem a ver com a ressignificação da ideia de « periferia ». O « ser da periferia » funciona, ali, segundo Tennina, como elemento estético de união, entendido a partir de uma experiência compartilhada, ligada à solidariedade, ao sacrifício e à força. « A partir dos saraus, pode-se começar a falar de um grupo de estabelecimentos dedicados à literatura com seus equipamentos específicos, em um ambiente que normalmente não é referência de cultura e em locais originalmente destinados ao lazer e à bebida, os bares. Os saraus acabam enfrentando a ausência de serviços culturais nos bairros suburbanos, formando seu próprio circuito de circulação da literatura marginal / periférica, independente do mercado de livros » (Tennina, 2017: 87. Tradução minha). 

[21] Tradução minha. No original: « Les oeuvres traduites peuvent être appropriées de façons diverses et parfois contradictoires, en fonction des enjeux propres au champ intellectuel de réception ».

 

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Pour citer cet article
Agnes Rissardo , “Periféricos, então cosmopolitas: a ficção marginal brasileira em trânsito”, RITA [en ligne], n°14 : septembre 2021, mis en ligne le 23 septembre 2021. Disponible en ligne : http://www.revue-rita.com/articles/perifericos-entao-cosmopolitas-a-ficcao-marginal-brasileira-em-transito-agnes-rissardo.html